quarta-feira, 23 de março de 2011

PRIMEIRA CARTA (completa) de SCI Marcos a Don Luis Villoro.

Tradução Marcos Villoro

As 4 partes do texto Notas sobre as guerras, início do intercâmbio epistolar sobre Ética e Política. Janeiro-Fevereiro de 2011

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERACÃO NACIONAL
MÉXICO.
Janeiro-Fevereiro de 2011.
Para: Don Luis Villoro.
De: Subcomandante Insurgente Marcos.
Doutor, felicitações.
Esperamos muito que encontre-se melhor de saúde e que tome estas linhas não somente como um vaivém de idéas, mas também como um abraço carinhoso de tudo que somos.
O agradecemos por haver aceitado participar como correspondente neste intercâmbio epistolar. Esperamos que dele surjam reflexões que nos ajudem, ali e aqui, a tratar de entender o calendário que padece nossa geografia, a dizer, nosso México.
Permita-me iniciar com uma espécie de esboço. Tratam-se de idéas, fragmentadas como nossa realidade, que podem seguir seu caminho independente ou ir enlaçando-se como uma trança (que é a melhor imagem que encontrei para “desenhar” nosso processo de reflexião teórica), e que é produto de nossa inquietude sobre o que ocorre atualmente no México e no mundo.
E aqui iniciam estes apressados pontos sobre alguns temas, todos eles relacionados com a ética e a política. O melhor que alcançamos perceber (e sofrer) deles, e sobre as resistências em geral, e nossa resistência em particular. Como é de se esperar, nestas notas, o esquematismo e a redução reinarão, no entanto creio que alcançarão para desenhar uma ou muitas linhas de discussão, de diálogo, de reflexão crítica.
E é precisamente disso do que se trata, de que a palavra vá e venha, enfrentando postos de controle, patrulhas e polícias, de nosso aqui até o seu lá, mas então logo a palavra se vai para todos os lados e não importa se alguém a recolhe e a lança de novo (que para isso são feitas as palavras e as idéias).
Mas o tema que acordamos é o da Política e da Ética, e talvez sejam necessários alguns rodeios, ou melhor, aproximações desde pontos aparentemente distantes.
E, posto que tratam-se de reflexões teóricas, terá que começar pela realidade, por aquilo que os detetives chamam de “feitos”.
Em “Escândalo na Boêmia”, de Arthur Conan Doyle, o detetive Sherlock Holmes diz a seu amigo, o Doctor Watson: “É um erro capital teorizar antes de ter dados. Sem dar-se conta, a pessoa começa a deformar os feitos para que se ajustem às teorias, em vez de ajustar as teorias aos feitos”.
Poderíamos começar então por uma descrição, apressada e incompleta, do que a realidade nos apresenta da mesma forma, a dizer, sem anestesia alguma, e recapitular alguns dados. Algo assim como tentar reconstruir não somente os feitos assim como a forma como tomamos conhecimento deles.
E o que primeiro aparece na realidade de nosso calendário e geografía é uma antiga conhecida dos povos originários do México: A Guerra.

I.- AS GUERRAS DE CIMA.
“E no princípio foram as estátuas”.
Assim poderia iniciar un ensaio historiográfico sobre a guerra, ou uma reflexão filosófica sobre a real gestante da história moderna. Porque as estátuas bélicas escondem mais do que mostram. Construída para cantar em pedra a memória de vitórias militares, não fazem senão ocultar o horror, a destruição e a morte de toda guerra. E as petrificadas figuras de deusas ou anjos coroados com a láurea da vitória não somente servem para que o vencedor tenha memória de seu êxito, mas também para forjar a desmemória vencida.
No entanto na atualidade esses espelhos rochosos encontram-se em desuso. Além de serem sepultados cotidianamente pela crítica implacável de aves de todo tipo, têm encontrado nas mídias massivas de comunicação um competidor insuperável.
A estátua de Hussein, derrubada em Bagdá durante a invasão estadunidense ao Iraque, não foi substituída por uma de George Bush, mas pelas promoções das grandes firmas transnacionais. Mesmo que o rosto bobo do então presidente dos Estados Unidos bem poderia servir para promover comida rápida, as multinacionais prefiriram autoerigirse à homenagem de um novo mercado conquistado. Ao negócio da destruição, seguiu o negócio da reconstrução. E, mesmo que as baixas nas tropas estadunidenses sigam, o importante é o dinheiro que vai e vem como deve ser: com fluidez e em abundância.
A queda da estátua de Saddam Hussein não é o símbolo da vitória da força militar multinacional que invadiu o Iraque. O símbolo está na alta das ações das firmas patrocinadoras.
“No passado foram as estátuas, agora são as bolsas de valores”.
Assim poderia seguir a historiografia moderna da guerra.
Mas a realidade da história (esse caótico horror olhado cada vez menos e com mais assepsia), compromete, pede contas, exige consequências, demanda. Uma olhada honesta e uma análise crítica poderiam identificar as peças do quebra-cabeças e então escutar, como um macabro estrondo, a frase:
“No princípio foi a guerra”.

A Legitimação da Barbárie.
Quiçá, em algum momento da história da humanidade, o aspecto material, físico, de uma guerra foi o determinante. Mas, ao avançar a pesada e torpe roda da história, isso não bastou. Assim como as estátuas serviram para o recordar do vencedor e à desmemória do vencido, nas guerras os contingentes necessitaram não somente derrotar fisicamente o contrário, mas também fazerem-se de um álibi propagandístico, a dizer, de legitimidade. Derrotá-lo moralmente.
Em algum momento da história foi a religião a que otorgou esse certificado de legitimidade à dominação pela guerra (mesmo que algumas das últimas guerras modernas não parecem ter avançado muito nesse sentido)- Mas logo foi necessário um pensamento mais elaborado e a filosofia entrou em relevo.
Recordo agora umas palabras suas: “A filosofia sempre teve uma relação ambivalente com o poder social e político. Em parte, tomou a sucessão da religião como justificadora teórica da dominação. Todo poder constituído tem tratado de legitimar-se, primeiro em uma crença religiosa, depois em uma doutrina filosófica. (…) Tal parece que a força bruta que sustenta o domínio careceria de sentido para o homem se não se justificasse em um fim aceitável. O discurso filosófico, liberto da religião, tem estado encarregado de outorgá-lo esse sentido; é um pensamento de domínio.” (Luis Villoro. “Filosofia e Domínio”. Discurso de entrada no Colégio Nacional. Novembro de 1978).
Em consequência, na história moderna esse álibi poderia chegar a ser tão elaborado como uma justificação filosófica ou jurídica (os exemplos mais patéticos nos tem dado a Organização das Nações Unidas, ONU). Mas o fundamental era, e é, fazer-se de uma justificação midiática.
Se certa filosofia (seguindo-o, Don Luis: o “pensamento de domínio” em contraposição ao “pensamento de libertação”) aliviou a religião dessa tarefa de legitimação, agora os meios masivos de comunicação tem aliviado a filosofia.
Alguém se lembra que a justificação da força armada multinacional para invadir o Iraque era que o regime de Saddam Hussein possuia armas de destruição massiva? Sobre isso se construiu um gigantesco andaime midiático que foi o combustível para uma guerra que ainda não terminou, pelo menos em termos militares. Alguém se lembra que nunca foram encontradas tais armas de destruição massiva? Já não importa se foi mentira, se houve (e há) horror, destruição e morte, perpetrados com um falso álibi.
Contam que, para declarar a vitória militar no Iraque, George W. Bush não esperou os informes de que haviam sido encontradas e destruídas essas armas, nem a confirmação de que a força multinacional já controlava, se não todo o território iraquiano, ao menos seus pontos nodais (a força militar estadunidense encontrava-se entrincheirada na chamada “zona verde” e nem sequer podia aventurar-se a sair aos bairros vizinhos –via-se nas estupendas reportagens de Robert Fisk para o jornal britânico “The Independent”-).
Não, o informe que recebeu Washington e permitiu dar por terminada a guerra (que por certo ainda não terminou), chegou dos consultores das grandes transnacionais: o negócio da destruição pode dar vez ao negócio da reconstrução (sobre isso vejam os brilhantes artigos de Naomi Klein no semanário estadunidense “The Nation”, e seu livro “A Doutrina do Choque”).
Assim, o essencial na guerra não é somente a força física (ou material), também é necessária a força moral que, nestes casos, é proporcionada pelos meios massivos de comunicação (como antes era pela religião e a filosofia).

A Geografia da Guerra Moderna.
Se é o aspecto físico a que nos referimos a um exército, como uma organização armada, enquanto mais forte é (enquanto mais poder de destruição possui), mais chances de sucesso.
Se é o aspecto moral referido a um organismo armado, embora mais legítima é a causa que o anima (a dizer, enquanto mais poder de convocatória tem), maiores ainda são as possibilidades de conseguir seus objetivos.
O conceito de guerra ampliava-se: tratava de não somente destruir o inimigo em sua capacidade física de combate (soldados e armamento) para impor sua vontade própria, também era possível destruir sua capacidade moral de combate, embora tivesse ainda suficiente capacidade física.
Se as guerras poderiam colocar-se unicamente no terreno militar (físico, já que nessa referência estamos), é lógico esperar que a organização armada com maior poder de destruição imponha sua vontade ao contrário (tal é o objetivo do choque entre forças) destruindo sua capacidade material de combate.
Mas já não é possível alocar nenhum conflito em um terreno meramente físico. Cada vez mais é mais complicado o terreno em que as guerras (pequenas ou grandes, regulares ou irregulares, de baixa, média ou alta intensidade, mundiais, regionais ou locais) se realizam.
Atrás dessa grande e ignorada guerra mundial (“guerra fria” é como a chamam a historiografia moderna, nós a chamamos “a terceira guerra mundial”), pode-se encontrar um julgamento histórico que marcará as guerras por vir.
A possibilidade de uma guerra nuclear (levada ao limite pela corrida armamentista que consistia, a grosso modo, em quantas vezes era-se capaz de destruir o mundo) abriu a posibilidade de um “outro” final de conflito bélico: o resultado de um choque armado podia não ser a imposição da vontade de um dos adversários sobre o outro, mas poderia também supor a anulação das vontades em conflito, a dizer, sua capacidade material de combate. E por “anulação” me refiro não somente à “incapacidade de ação” (um “empate” pois), também (e sobretudo) a “desaparição”.
Em efeito, os cálculos geomilitares nos diziam que em uma guerra nuclear não haveriam vencedores nem vencidos. E mais ainda, não haveria nada. A destruição seria tão total e irreversível que a civilização humana deixaria sua passagem para a baratas.
O argumento recorrente nas altas esferas militares das potências da época eram que as armas nucleares não eram para brigar em uma guerra, mas para inibí-la. O conceito de “armamento de contenção” se traduziu então ao mais diplomático “elemento de disuassão”.
Reduzindo: a doutrina “moderna” militar sintetizava-se em: impedir que o contrário imponha sua vontade maior (ou “estratégia”), equivale a impor a própria vontade maior (“estratégica”), a dizer, deslocar as grandes guerras às pequenas ou médias guerras. Já não se tratava de destruir a capacidade física e/ou moral de combate do inimigo, senão de evitar que a empregasse em um enfrentamento direto. Por outro lado, buscava-se redefinir os teatros da guerra (e a capacidade física de combate) do mundial ao regional e local. Em resumo: diplomacia pacífica internacional e guerras regionais e nacionais.
Resultado: não houve guerra nuclear (ao menos ainda não, embora a estupidez do capital é tão grande como sua ambição), mas em seu lugar houveram inumeráveis conflitos de todos os níveis que arrojaram milhões de mortos, milhões de refugiados de guerra, milhões de toneladas métricas de material destruído, economias arrasadas, nações destruidas, sistemas políticos rompidos… e milhões de dólares de ganância.
Mas a sentença foi dada para as guerras “mais modernas” ou “pós-modernas”: são possíveis conflitos militares que, por sua natureza, sejam irresoluveis em termos de força física, a dizer, em impor pela força a vontade ao contrário.
Poderíamos supor então que se iniciou uma luta paralela SUPERIOR às guerras “convencionais”. Uma luta por impor uma vontade sobre a outra: a luta do poderoso militarmente (ou “fisicamente” para poder transitar ao microcosmos humano) para evitar que as guerras aconteçam em terrenos aonde não poderiam ter resultados convencionais (do tipo “o exército melhor equipado, treinado ou organizado será potencialmente vitorioso sobre o exército pior equipado, treinado e organizado”). Poderíamos supor, então, que contra ele está a luta do militarmente débil (ou “fisicamente”) para fazer com que as guerras aconteçam em terrenos aonde o poderio militar não seja o determinante.
As guerras “mais modernas” ou “pós-modernas” não são, então, as que põem no terreno armas mais sofisticadas (e aqui estão incluidas não somente as armas como técnica militar, mas também as tomadas como tais nos organigramas militares: a arma da infanteria, a da cavalaria, a arma blindada, etc.), mas as que são levadas a terrenos aonde a qualidade e a quantidade do poder militar não é o fator determinante.
Com séculos de atraso, a teoria militar de cima descubria que seriam possíveis conflitos em que um adversário abrumadamente superior em termos militares fosse incapaz de impor a sua vontade a um rival débil.
Sim, são possíveis.
Exemplos na história moderna sobram, e os que agora me vêm à memória são de derrotas da maior potência bélica no mundo, os Estados Unidos da América, no Vietnã e em Praia de Girón. E poderiam agregar-se a estes alguns exemplos de calendários passados e de nossa geografia: como as derrotas do exército realista espanhol pelas forças insurgentes no México há 200 anos.
No entanto, a guerra está aí e segue aí sua questão central: a destruição física e/ou moral do oponente para impor a vontade própria, segue sendo o fundamento da guerra de cima.
Então, se a força militar (ou física, reitero) não somente não é relevante senão que se pode prescindir dela como variável determinante na decisão final, temos que no conflito bélico entram outras variáveis, ou algumas das presentes como secundárias passam ao primeiro plano.
Isso não é novo. O conceito de “guerra total” (embora não como tal) tem antecedentes e exemplos. A guerra por todos os meios (militares, econômicos, políticos, religiosos, ideológicos, diplomáticos, sociais e ainda ecológicos) é o sinônimo de “guerra moderna”.
Mas falta o fundamental: a conquista de um território. A dizer, que essa vontade se impõe em um calendário preciso sim, mas sobretudo em uma geografia delimitada. Se não há um território conquistado, a dizer, abaixo controle direto ou indireto da força vencedora, não há vitória.
Embora se possa falar de guerras econômicas (como o bloqueio que o governo estadunidense mantém contra a República de Cuba) ou de aspectos econômicos, religiosos, ideológicos, raciais, etc., de uma guerra, o objetivo segue sendo o mesmo. E na época atual, a vontade que trata de impor o capitalismo é destruir/despovoar e reconstruir/reordenar o território conquistado.
Sim, as guerras agora não se conformam com conquistar um território e receber tributo da força vencida. Na etapa atual do capitalismo é preciso destruir o território conquistado e despovoá-lo, a dizer, destruir seu tecido social. Falo da aniquilação de tudo o que dá coesão à uma sociedade.
Mas não se detém aí a guerra de cima. De maneira simultânea a destruição e o despovoamento, se opera a reconstrução desse território e o reordenamento de seu tecido social, mas agora com outra lógica, outro método, outros atores, outro objetivo. Em resumo: as guerras impõem uma nova geografia.
Se em uma guerra internacional, este processo complexo ocorre na nação conquistada e se opera desde a nação agressora, em uma guerra local ou nacional ou civil o território a destruir/despovoar e reconstruir/reordenar é comum às forças em conflito.
A dizer, a força atacante vitoriosa destrói e despovoa seu própio território.
E o reconstrói e reordena segundo seu plano de conquista ou reconquista.
Embora se não tenha plano… então “alguém” opera essa reconstrução – reordenamento.
Como povos originários mexicanos e como EZLN algo podemos dizer sobre a guerra. Sobretudo se está a ser empreendida em nossa geografia e neste calendário: México, início do século XXI…

II.- A GUERRA DO MÉXICO DE CIMA.
“Eu daria as boasvindas quase a qualquer guerra
porque creio que este país necessita de uma”.
Theodore Roosevelt.

E agora nossa realidade nacional é invadida pela guerra. Uma guerra que não somente já não é distante para quem acostumou a vê-la em geografias ou calendários distantes, mas que começa a governar as decisões e indecisões dos que pensaram que os conflitos bélicos estavam somente nos noticiários e filmes de lugares tão longe como… Iraque, Afeganistão,… Chiapas.
E em todo México, graças ao patrocínio de Felipe Calderón Hinojosa, não temos que recorrer à geografia do Oriente Médio para refletir criticamente sobre a guerra. Já não é necessário remontar o calendário até Vietnã, Praia de Girón, sempre Palestina.
E não menciono Chiapas e a guerra contra as comunidades indígenas zapatistas, porque já se sabe que não estão em moda, (para isso o governo do estado de Chiapas gastou bastante dinhero para conseguir que os meios não o coloquem no horizonte da guerra, a não ser os “avanços” na produção de biodiesel, como “bem” tratam aos imigrantes, os “êxitos” agrícolas e outros contos engana-bobos vendidos a conselhos de redação que firmam como próprios os boletins governamentais pobres em redação e argumentos).
A irrupção da guerra na vida cotidiana do México atual não vem de uma insurreição, nem de movimentos independentistas ou revolucionários que disputam sua reedição no calendário 100 ou 200 anos depois. Vem, como em todas as guerras de conquista, desde cima, desde o Poder.
E esta guerra tem em Felipe Calderón Hinojosa seu iniciador e promotor institucional (e agora vergonhoso).
Quem se apoderou do comando do executivo federal por vias de fato, não se contentou com o respaldo midiático e teve que recorrer a algo mais para distrair a atenção e evadir o massivo questionamento de sua legitimidade: a guerra.
Quando Felipe Calderón Hinojosa fez como sua a proclamação de Theodore Roosevelt (alguns vangloriam a sentença a Henry Cabot Lodge) de “esse país necessita uma guerra”, recebeu a desconfiança medrosa dos empresários mexicanos, a entusiasta aprovação dos altos mandos militares e o aplauso nutrido de quem realmente manda: o capital estrangeiro.
A crítica desta catástrofe nacional chamada “guerra contra o crime organizado” deveria completar-se com uma análise profunda de seus alentadores econômicos. Não somente me refiro ao antigo axioma de que em épocas de crise e de guerra aumenta o consumo suntuário. Tampouco somente os sobresoldos que recebem os militares (em Chiapas, os altos mandos militares recebiam, ou recebem, um salário extra de 130% por estar em “zona de guerra”). Também haveria que buscar nas patentes, provedores e crediários internacionais que não estão na chamada “Iniciativa Mérida”.
Se a guerra de Felipe Calderón Hinojosa (embora tem-se tratado, em vão, de endorsá-la a todos os mexicanos) é um negócio (o que o é), falta responder às perguntas de para quem ou quais são os negócios, e qual cifra monetária alcança.

Algumas estimativas econômicas.
Não é pouco o que está em jogo:
(nota: as quantidades detalhadas não são exatas devido a falta de transparência nos dados governamentais oficiais. por isso, em alguns casos recorreu-se ao publicado no Diário Oficial da Federação complementado com dados das dependências e informacão jornalística séria).
Nos primeiros 4 anos da “guerra contra o crime organizado” (2007-2010), as principais entidades governamentais encarregadas (Secretaria da Defesa Nacional –a dizer: exército e força aérea-, Secretaria de Marinha, Procuradoria General da República e Secretaria de Segurança Pública) receberam da Verba de Egressos da Federação uma quantidade superior aos 366 mil milhões de pesos (uns 30 mil milhões de dólares ao câmbio atual). As 4 dependências governamentaiss federais receberam: em 2007 mais de 71 mil milhões de pesos; em 2008 mais de 80 mil milhões; em 2009 mais de 113 mil milhões e em 2010 foram mais de 102 mil milhões de pesos. A isto haverá que somar o mais de 121 mil milhões de pesos (uns 10 mil milhões de dólares) que receberam neste ano de 2011.
Tão somente a Secretaria de Segurança Pública passou de receber uns 13 mil milhões de pesos de verba em 2007, a manejar mais de 35 mil milhões de pesos em 2011 (talvez seja porque as produções cinematográficas estão mais custosas).
De acordo com o Terceiro Informe de Governo de setembro de 2009, ao mês de junho desse ano, as forças armadas federais contavam com 254, 705 elementos (202, 355 do Exército e Força Aérea e 52, 350 da Armada).
Em 2009 a verba para a Defesa Nacional foi de 43 mil 623 milhões 321 mil 860 pesos, ao que somou-se 8 mil 762 milhões 315 mil 960 pesos (25.14% mais), em total: mais de 52 mil milhões de pesos para o Exército e Força Aérea. A Secretaria de Marinha: mais de 16 mil milhões de pesos: Segurança Pública: 33 mil milhões de pesos; e Procuradoria Geral da República: mais de 12 mil milhões de pesos.
Verba total para a “guerra contra o crime organizado” em 2009: mais de 113 mil milhões de pesos.
No ano de 2010, um soldado federal raso ganhava uns 46, 380 pesos anuais; um general divisionário recebia 1 milhão 603 mil 80 pesos ao ano, e o Secretario da Defesa Nacional recebia salários anuais de 1 milhão 859 mil 712 pesos.
Se as matemáticas não me falhan, com a verba bélica total de 2009 (113 mil milhões de pesos para as 4 dependências) poderiam ter sido pagos os salários anuais de 2 milhões e meio de soldados rasos; ou de 70 mil 500 generais de divisão; ou de 60 mil 700 titulares da Secretaria de Defesa Nacional.
Mas, obviamente, nem tudo o que se tem em verba vai para salário e prestações de serviços. Se necessitam armas, equipamentos, balas… porque as que se têm já não servem ou estão obsoletas.
“Se o Exército mexicano entrasse em combate com suas pouco mais de 150 mil armas e seus 331.3 milhões de cartuchos contra algum inimigo interno ou externo, seu poder de fogo somente alcançaria em média para 12 dias de combate contínuo, assinalam estimativas do Estado Maior da Defesa Nacional (Emaden) elaboradas por cada uma das armas ao Exército e Força Aérea. Segundo as previsões, o fogo de artilharia de canhões de 105 milímetros alcançaria, por exemplo, para combater somente por 5.5 dias disparando de maneira contínua as 15 granadas para dita arma. As unidades blindadas, segundo a análise, tem 2 mil 662 granadas 75 milímetros.
Ao entrar em combate, as tropas blindadas gastariam todos seus cartuchos em nove dias. Enquanto a Força Aérea, assinala-se que existem pouco mais de 1.7 milhões de cartuchos calibre 7.62 mm que são empregados por aviões PC-7 y PC-9, e por helicópteros Bell 212 e MD-530. Em uma conflagração, esses 1.7 milhões de cartuchos esgotariam-se em cinco dias de fogo aéreo, segundo os cálculos de Sedena. A dependência adverte que os 594 equipamentos de visão noturna e os 3 mil 95 GPS usados pelas Forças Especiais para combater os cárteis da droga, “já cumpriram seu tempo de serviço”.
As carências e o desgaste nas filas do Exército e Força Aérea são patentes e alcançam níveis inimaginados em praticamente todas as áreas operativas da instituição. A análise da Defesa Nacional assinala que os óculos de visão noturna e os GPS têm entre cinco e 13 anos de antiguidade, e “já cumpriram seu tempo de serviço”. O mesmo ocorre com os “150 mil 392 coberturas antifragmento” que usam as tropas. 70% cumpriu sua vida útil em 2008, e os 41 mil 160 coletes antibala o farão em 2009. (…).
Neste panorama, a Força Aérea resulta no setor mais golpeado pelo atraso e dependência tecnológica ao estrangeiro, em especial dos Estados Unidos e Israel. Segundo Sedena, os depósitos de armas da Força Aérea têm 753 bombas de 250 a mil libras cada uma. Os aviões F-5 e PC-7 Pilatus usam essas armas. As 753 existentes alcançam para combater ar-terra por um dia. As 87 mil 740 granadas calibre 20 milímetros para jets F-5 alcançam para combater inimigos externos ou internos por seis dias. Finalmente, Sedena revela que os mísseis ar-ar para os aviões F-5, é de somente 45 peças, que representam unicamente um dia de fogo aéreo.” Jorge Alejandro Medellín em “O Universal”, México, 02 de janeiro de 2009.
Isto se conhece em 2009, 2 anos depois do início da chamada “guerra” do governo federal. Deixemos de lado a pergunta óbvia de como foi possível que o chefe supremo das forças armadas, Felipe Calderón Hinojosa, se lançara à uma guerra (“de grande fôlego” disse ele) sem ter as condições materiais mínimas para mantế-la, já não digamos para “ganhá-la”. Então perguntemo- nos: Quais indústrias bélicas vão se beneficiar com as compras de armamento, equipamentos e parque?
Se o principal promotor desta guerra é o imperio das barras e das estrelas turvas (fazendo as contas, em realidade as únicas felicitações que recebeu Felipe Calderón Hinojosa vieram do governo estadunidense), não há que perder de vista que ao norte do Rio Bravo não se outorgam ajudas, e sim que se fazem investimentos, a dizer, negócios.
Vitórias e derrotas.
Ganham os Estados Unidos com essa guerra “local”? A resposta é: sim. Deixando de lado os ganhos econômicas e a inversão monetária em armas, parque e equipamentos (não esqueçamos que os EUA são o principal provedor de tudo isso aos bandos adversários: autoridades e “delinquentes” -a “guerra contra a delinquência organizada” ´e um negócio redondo para a indústria militar estadunidense-), está, como resultado desta guerra, uma destruição / despovoamento e reconstrução / reordenamento geopolítico que os favorece.
Esta guerra (que está perdida para o governo desde que se concebeu, não como uma solução de um problema de insegurança, mas um problema de legitimidade questionada), está destruindo o último reduto que resta à uma Nação: o tecido social.
Que melhor guerra para os Estados Unidos que uma que o outorgue ganhos, território e controle político e militar sem as incômodas “body bags” e os feridos de guerra que ali chegaram, antes, do Vietnã e agora do Iraque e Afeganistão?
As revelações do Wikileaks sobre as opiniões no alto mando estadunidense acerca das “deficiências” do aparato repressivo mexicano (sua ineficácia e sua conspiração com a delinquência), não são novas. Não somente no senso comum das pessoas, mas também nas altas esferas do governo e do Poder no México isso é uma certeza. A piada que é uma guerra desigual porque o crime organizado sim está organizado e o governo mexicano está desorganizado, é uma lúgubre verdade.
Em 11 de dezembro de 2006, inicia-se formalmente esta guerra com o então chamado “Operativo Conjunto Michoacán”. 7 mil elementos do exército, a marinha e as polícias federais lançam uma ofensiva (conhecida popularmente como “el michoacanazo”) que, passada a euforia midiática desses dias, resultou ser um fracasso. O mando militar foi do general Manuel García Ruiz e o responsável do operativo Gerardo Garay Cadena da Secretaria de Segurança Pública. Hoje, e desde dezembro de 2008, Gerardo Garay Cadena está preso no presídio de segurança máxima de Tepic, Nayarit, acusado de conluio com “el Chapo” Guzmán Loera.
E, a cada passo que se dá nesta guerra, para o governo federal é mais difícil explicar aonde está o inimigo a vencer.
Jorge Alejandro Medellín é um jornalista que colabora com vários meios informativos -a revista “Contralínea”, o semanário “Acentoveintiuno”, e o portal de notícias “Eje Central”, entre outros -e especializou-se nos temas de militarismo, forças armadas, segurança nacional e narcotráfico. Em outubro de 2010 recebeu ameaças de morte por um artigo aonde assinalou as possíveis ligações do narcotráfico com o general Felipe de Jesús Espitia, ex comandante da V Zona Militar e ex chefe da Seção Sétima -Operações Contra o Narcotráfico- no governo de Vicente Fox, e responsável pelo Museu do Narcotráfico situado nos cômodos da S-7. O general Espitia foi removido como comandante da V Zona Militar ante o estrondoso fracasso dos operativos ordenados por ele em Ciudad Juárez e pela pobre resposta que deu aos massacres cometidos na cidade fronteiriça.
Mas o fracasso da guerra federal contra a “delinquência organizada”, a jóia da coroa do governo de Felipe Calderón Hinojosa, não é um destino a lamentar para o Poder nos EUA: é a meta a conseguir.
Por mais que se esforcem os meios massivos de comunicação em apresentar como rotundas vitórias da legalidade, as escaramuças que todos os dias se dão no território nacional, não conseguem convencer.
E não somente porque os meios massivos de comunicação foram rebaixados pelas formas de intercâmbio de informação de grande parte da população (não somente, mas também as redes sociais e a telefonia celular), também, e sobretudo, porque o tom da propaganda governamental tem passado da tentativa de engano à tentativa da zombaria (desde que “ainda não pareça vamos ganhando” até o de “uma minoria ridícula”, passando pelas bravatas de cantina do funcionário em turno).
Sobre esta outra derrota da imprensa, escrita e de rádio e televisão, voltarei em outra carta. Por agora, e em respeito ao tema que agora nos ocupa, basta recordar que o “não passa nada em Tamaulipas” que era apregoado pelas notícias (marcadamente de rádio e televisão), foi derrotado pelos vídeos feitos por cidadãos com celulares e câmaras portáteis e compartilhados pela internet.
Mas voltemos à guerra que, segundo Felipe Calderón Hinojosa, nunca disse que era uma guerra. Não disse, não é?
“Vejamos se é guerra ou não é guerra: em 5 de dezembro de 2006, Felipe Calderón disse: “Trabalhamos para ganhar a guerra à delinquência…”. Em 20 de dezembro de 2007, durante um café-da-manhã com a equipe naval, o senhor Calderón utilizou em quatro ocasiões em um só discurso, o termo guerra. Disse: “A sociedade reconhece de maneira especial o importante papel de nossos marines na guerra que meu Governo encabeça contra a insegurança…”, “A lealdade e a eficácia das Forças Armadas, são uma das mais poderosas armas na guerra que livramos contra ela…”, “Ao iniciar esta guerra frontal contra a delinquência assinalei que esta seria uma luta de longo fôlego”, “…assim são, precisamente, as guerras…”.
Mas ainda há mais: o 12 de setembro de 2008, durante a Ceremônia de Encerramento e Abertura de Cursos do Sistema Educativo Militar, o autoproclamado “Presidente do emprego”, alçou vôo pronunciando em média em uma dezena de ocasiões, o termo guerra contra o crime: “Hoje nosso país vive uma guerra muito distinta a que afrontaram os insurgentes em 1810, uma guerra distinta a que afrontaram os cadetes do Colégio Militar há 161 anos…” “…todos os mexicanos de nossa geração têm o dever de declarar a guerra aos inimigos do México… Por isso, nesta guerra contra a delinquência…” “É imprescindível que todos os que somamos a essa frente comum passem da palavra aos feitos e que declaremos, verdadeiramente, a guerra aos inimigos do México…” “Estou convencido de que esta guerra vamos ganhar…” (Alberto Vieyra Gómez. Agência Mexicana de Notícias, 27 de janeiro de 2011).
Ao contradizer-se, aproveitando o calendário, Felipe Calderón Hinojosa não emenda o plano nem corrige-se conceitualmente. Não, o que ocorre é que as guerras se ganham ou se perdem (neste caso, se perdem) e o governo federal não quer reconhecer que o ponto principal de sua gestão havia fracassado militar e politicamente.

Guerra sem fim? A diferença entre a realidade… e os videojogos.
Frente ao fracasso inegável de sua política guerrerista, Felipe Calderón Hinojosa vai mudar de estratégia?
A resposta é NÃO. E não somente porque a guerra de cima é um negócio e, como qualquer negócio, mantém-se enquanto segue produzindo ganhos.
Felipe Calderón Hinojosa, o comandante em chefe das forças armadas; o fervoroso admirador de José María Aznar; o autodenominado “filho desobediente”; o amigo de Antonio Solá; o “ganhador” da presidência por meio ponto porcentual da votação emitida graças à alquimia de Elba Esther Gordillo; o dos insultos autoritários mais próximos da birra (“ou baixam ou mando por vocês”); o que quer tapar com mais sangue do que das crianças assasinadas na creche ABC, em Hermosillo, Sonora; o que tem acompanhado sua guerra militar com uma guerra contra o trabalho digno e o salário justo; o de calculado autismo frente aos assasinatos de Marisela Escobedo e Susana Chávez Castillo; o que reparte etiquetas mortuárias de “membros do crime organizado” aos meninos e meninas, homens e mulheres que foram e são assasinados porque sim, porque lhes aconteceu de estar no calendário e na geografía equivocados, e não alcançam sequer serem nomeados porque nada os leva em conta, nem a imprensa, nem as redes sociais.
Ele, Felipe Calderón Hinojosa, é também um fã dos videojogos de estratégia militar.
Felipe Calderón Hinojosa é um “gamer” “que em quatro anos converteu um país em uma versão mundana de The Age of Empire -seu videojogo preferido-, (…) um amante -e mal estrategista- da guerra” (Diego Osorno em “Milenio Diario”, 3 de outobro de 2010).
É ele que nos leva a perguntar: Está o México sendo governado ao estilo de um videojogo? (creio que eu sim posso fazer este tipo de perguntas comprometedoras sem risco de que me despeçam por falhar a um “código de ética” que se pauta pela publicidade paga).
Felipe Calderón Hinojosa não se deterá. E não somente porque as forças armadas não permitiriam (negócios são negócios), mas também pela obstinação que tem caracterizado a vida política do “comandante em chefe” das forças armadas mexicanas.
Façamos um pouco de memória: Em março de 2001, quando Felipe Calderón Hinojosa era o coordenador parlamentário dos deputados federais da Ação Nacional, deu-se aquele lamentável espetáculo do Partido Ação Nacional quando negou-se que uma delegação indígena conjunta do Congresso Nacional Indígena e o EZLN fizessem uso da tribuna do Congresso da União na ocasião da chamada “marcha da cor da terra”.
Apesar de que se estava mostrando ao PAN como uma organização política racista e intolerante (e o é) por negar aos indígenas o direito a serem escutados, Felipe Calderón Hinojosa manteve-se em sua negativa. Todos lhe diziam que era um erro assumir essa posição, mas o então coordenador dos deputados panistas não cedeu (e terminou escondido, junto con Diego Fernández de Cevallos e outros ilustres panelistas, em um dos salões privados da câmara, vendo pela televisão os indígenas fazerem uso da palavra em um espaço que a classe política reserva para suas esquetes).
“Sem importar os custos políticos”, havia dito então Felipe Calderón Hinojosa.
Agora diz o mesmo, mesmo que hoje não se trate dos custos políticos que assume um partido político, mas dos custos humanos que paga o país inteiro por essa obstinação.
Estando já por terminar esta missiva, encontrei as declarações da secretaria de segurança interior dos Estados Unidos, Janet Napolitano, especulando sobre as possíveis alianças entre Al Qaeda e os cartéis mexicanos da droga. Um dia antes, o subsecretário do Exército dos Estados Unidos, Joseph Westphal, declarou que no México existe uma forma de insurgência encabeçada pelos cartéis da droga que potencialmente poderiam tomar o governo, o qual implicaria uma resposta militar estadunidense. Agregou que não desejava ver uma situação aonde soldados estadunidenses fossem enviados a combater uma insurgência “sobre nossa fronteira… ou ter que enviá-los a cruzar essa fronteira” até México.
Enquanto isso, Felipe Calderón Hinojosa, asistia a um simulacro de resgate em um povo de utilitários, en Chihuahua, e se subiu a um avião de combate F-5, sentou-se ao assento do piloto e brincou com um “disparem mísseis”.
Dos videojogos de estratégia aos “simuladores de combate aéreo” e “disparos em primeira pessoa”? De Age of Empires ao HAWX?
O HAWX é um videojogo de combate aéreo aonde, em um futuro próximo, as empresas militares privadas (“Private military company”) tomam o lugar dos exércitos governamentais em vários países. A primeira missão do videojogo consiste em bombardear Ciudad Juárez, Chihuahua, México, porque as “forças rebeldes” se apoderaram da praça e ameaçam avançar rumo ao território estadunidense-.
Não no videojogo, mas no Iraque, uma das empresas militares privadas contratadas pelo Departamento de Estado estadunidense e a Agência Central de Inteligência foi “Blackwater USA”, que depois trocou seu nome a “Blackwater Worldwide”. Seu pessoal cometeu sérios abusos no Iraque, incluindo o assasinato de civis. Agora mudou seu nome a “Xe Services LL” e é o maior contrado de segurança privada do Departamento de Estado estadunidense. Ao menos 90% de seus ganhos provêm de contratos com o governo dos Estados Unidos.
No mesmo dia em que Felipe Calderón Hinojosa brincava no avião de combate (10 de fevereiro de 2011), no estado de Chihuahua, uma menina de 8 anos morre ao ser alcançada por uma bala em um tiroteio entre pessoas armadas e membros do exército.
Quando vai a terminar essa guerra?
Quando aparecerá na tela do governo federal o “game over” do fim de jogo, seguido dos créditos dos produtores e patrocinadores da guerra?
Quando vai poder dizer Felipe Calderón “ganhamos a guerra, impomos nossa vontade ao inimigo, destruimos sua capacidade material e moral de combate, foram (re)conquistados os territórios que estavam em seu poder”?
Desde que foi concebida, essa guerra não tem final e também está perdida.
Não haverá um vencedor mexicano nestas terras (diferente do governo, o Poder estrangeiro sim tem um plano para reconstruir – reordenar o território), e o derrotado será o último rincão do agonizante Estado Nacional do México: as relações sociais que, dando identidade comum, são a base de uma Nação.
Mesmo antes do suposto final, o tecido social estará gasto por completo.

Resultados: a Guerra acima e a morte abaixo.
Vejamos o que informa o Secretário de Governo federal sobre a “não guerra” de Felipe Calderón Hinojosa:
“O ano de 2010 foi o ano mais violento do sexênio ao acumular-se 15 mil 273 homicídios vinculados ao crime organizado, 58% a mais que os 9 mil 614 registrados durante 2009, de acordo com a estatística difundida esta quarta-feira pelo Governo Federal. De dezembro de 2006 ao final de 2010 serão contabilizados 34 mil 612 crimes, dos quais 30 mil 913 são casos assinalados como “execuções”; três mil 153 são denominados como “enfrentamentos” e 544 estão no segmento “homicídios-agressões”. Alejandro Poiré, secretário técnico do Conselho de Segurança Nacional, apresentou uma base de dados oficial elaborada por especialistas que mostrará a partir de agora “informação desagregada mensal, a nível estatal e municipal” sobre a violência em todo o país.” (Jornal “Vanguardia”, Coahuila, México, 13 de janeiro de 2011)
Perguntemos: Desses 34 mil 612 assassinados, quantos eram delinquentes? E os mais de mil meninos e meninas assassinados (que o Secretário de Governo “esqueceu” de desmembrar em sua conta), também eram “fascínoras” do crime organizado? Quando no governo federal se proclama que “vamos ganhando”, a quê cartel da droga se referem? Quantas dezenas de mil mais são parte dessa “ridícula minoria” que é o inimigo a vencer?
Enquanto lá em cima tratam inutilmente de desdramatizar em estatísticas os crimes que sua guerra provoca, é preciso assinalar que também está se destruindo o tecido social em quase todo o território nacional.
A identidade coletiva da Nação está sendo destruída e está sendo suplantada por outra.
Porque “uma identidade coletiva não é mais que uma imagem que um povo se forja de si mesmo para reconhecer-se como pertencente a esse povo. Identidade coletiva são aqueles arroubos em que um indivíduo se reconhece como pertencente à uma comunidade. E a comunidade aceita este indivíduo como parte dela. Esta imagem que o povo se forja não é necessariamente a perduração de uma imagem tradicional herdada, senão que geralmente a forja o indivíduo mesmo em tanto pertencente à uma cultura, para fazer consistente seu passado e sua vida atual com os projetos que tem para essa comunidade.
Então, a identidade não é um simples legado que se herda, senão que é uma imagem que se constrói, que cada povo se cria, e por isso é variável e cambiante segundo as circunstâncias históricas”. (Luis Villoro, novembro de 1999, entrevista com Bertold Bernreuter, Aachen, Alemanha).
Na identidade coletiva de boa parte do território nacional não está, como se nos querem fazer crer, a disputa entre a bandeira-pátria (lábaro-patrio) e o narco-corrido [NT: música mexicana oriunda do folk corrido e letras que contam a realidade do narcotráfico, como no funk carioca, ou o rap] (se não apoia-se o governo então apoia-se a delinquência, e viceversa).
Não.
O que há é uma imposição, pela força das armas, do medo como imagem coletiva, da incerteza e a vulnerabilidade como espelhos nos quais esses coletivos se refletem.
Quê relações sociais podem manter-se ou serem tecidas se o medo é a imagem dominante com a qual se pode identificar um grupo social, se o sentido de comunidade rompe-se ao grito de “salve-se quem puder”?
Desta guerra não somente vão resultar milhares de mortos… mas também suculentos ganhos econômicos.
Também, e sobretudo, vai resultar uma nação destruída, despovoada, destruída irremediavelmente.

III.- NADA QUÊ FAZER?
Quem são os que arrancam suas mesquinhas somas e diminutivos eleitorais nesta conta mortal, os recordamos:
Fazem 17 anos, em12 de janeiro de 1994, uma gigantesca mobilização cidadã (veja bem: sem chefes, comandos centrais, líderes ou dirigentes) parou a guerra aqui. Frente ao horror, a destruição e as mortes, há 17 anos a reação foi quase imediata, contundente, eficaz.
Agora é a pasmaceira, a avareza, a intolerância, a ruindade que poupa apoios e convoca à imobilidade… e a ineficácia.
A iniciativa louvável de um grupo de trabalhadores da cultura (“MAIS SANGUE NÃO”) foi desqualificada desde seu início por não “submeter-se” a um projeto eleitoral, por não cumprir o mandato de esperar até 2012.
Agora que têm a guerra lá, em suas cidades, em suas ruas, em suas estradas, em suas casas, que fizeram? Digo, além de “submeter-se” diante de quem tem “o melhor projeto”.
Pedir às pessoas que esperem até 2012? Que então sim há que votar, a votar pelo menos mau e agora sim vai-se a respeitar o voto?
Se vão mais de 34 mil mortos em 4 anos, são mais de 8 mil mortes anuais. A dizer, temos que esperar 16 mil mortos mais para fazer algo?
Porque vai ficar pior. Se as apostas atuais para as eleições presidenciais de 2012 (Enrique Peña Nieto e Marcelo Ebrard), governam as entidades com o maior número de cidadãos, não é de se esperar que aí aumente a “guerra contra a delinquência organizada” com sua cauda de “danos colaterais”?
Quê vão fazer? Nada. Vão seguir o mesmo caminho de intolerância e satanização como fazem há 4 anos, quando em 2006 tudo que não fora a favor de López Obrador era acusado de servir à direita. @s que nos atacaran e caluniaram então e agora, seguem o mesmo caminho frente a outros movimentos, organizações, protestos, mobilizações.
Por quê a suposta grande organização nacional que se prepara para que nas próximas eleições federais, agora sim, ganhe um projeto alternativo de nação, não faz algo agora? Digo, se pensam que podem mobilizar milhões de mexicanos para que votem por alguém, por quê não mobilizá-los para parar a guerra e que o país sobreviva? Ou é um cálculo mesquinho e ruim? Que a conta de mortes e destruição reste ao oponente e some ao eleito?
Hoje, em meio a esta guerra, o pensamento crítico volta a ser postergado. Primeiro o primeiro: o 2012 e as respostas às perguntas sobre os “galos”, novos ou reciclados, para esse futuro que se desmorona desde hoje. Tudo deve subordinarse a esse calendário e a seus passos prévios: as eleições locais em Guerrero, Baja California Sur, Hidalgo, Nayarit, Coahuila, e Estado do México.
E enquanto tudo se derruba, nos dizem que o mais importante é analisar os resultados eleitorais, as tendências, as possibilidades. Pedem para aguentar até que seja o momento de riscar o boleto do voto, e de volta a esperar que tudo se conserte e volte-se a levantar o frágil castelo de naipes da classe política mexicana.
Recordam que eles se burlaram e atacaram aqueles que desde 2005 chamam as pessoas a organizar-se segundo suas próprias demandas, história, identidade e aspirações e não apostar em que alguém lá em cima vai solucionar tudo?
Nos equivocamos nós ou eles?
Quem nas principais cidades se atreve a dizer que pode sair com tranquilidade já não na madrugada, mas apenas à noite?
Quem faz seu o “vamos ganhando” do governo federal e vê com respeito, e não com medo, os soldados, marines e policiais?
Quem são os que se despertam agora sem saber se vão estar vivos, sãos ou livres ao finalizar o dia que começa?
Quem não pode oferecer às pessoas uma saída, uma alternativa, que não seja esperar as próximas eleições?
Quem não pode colocar em marcha uma iniciativa que realmente sustente-se localmente, não digamos a nível nacional?
Quem ficou sozinho?
Porque ao final, quem vai permanecer serão aqueles que resistiram; aqueles que não se venderam; aqueles que não se renderam; aqueles que não ratearam; aqueles que entenderam que as soluções não vêm de cima, senão que se constróem abaixo; aqueles que não apostaram nem apostam as ilusões que vendem uma classe política que tem tempo e que fede como um cadáver; aqueles que não seguiram o calendário de cima nem aderiram à sua geografia nem a esse calendário convertendo um movimento social em uma lista de números de credenciais do IFE; aqueles que frente à guerra não ficaram imóveis, esperando o novo espetáculo malabarista da classe política no toldo circense eleitoral, senão que construiram uma alternativa social, não individual, de liberdade, justiça, trabalho e paz.

IV.- A ÉTICA E NOSSA OUTRA GUERRA.
Antes dizíamos que a guerra é inerente ao capitalismo e que a luta pela paz é anticapitalista.
Você, Don Luis, também disse antes que “a moralidade social constitui somente um primeiro nível, precrítico, da ética. A ética crítica começa quando o sujeito se distancia das formas de moralidade existentes e se pergunta pela validez de suas regras e comportamentos. Pode aperceber-se que a moralidade social não cumpre as virtudes que proclama.”

É possível trair a Ética à guerra? É possível fazê-la irromper por entre desfiles castrenses, graus militares, reféns, operativos, combates, mortes? É possível trazê-las a questionar a validade das regras e comportamentos militares?
Ou a exposição de sua possibilidade não é mais que um exercício de especulação filosófica?
Porque talvez a inclusão desse “outro” elemento na guerra somente seria possível em um paradoxo. Incluir a ética como fator determinante de um conflito traria como consequência um reconhecimento radical: o adversário sabe que o resultado de seu “triunfo” será sua derrota.
Eu não me refiro a derrota como “destruição” ou “abandono”, senão a negação da existência como força beligerante. Isto é, uma força faz uma guerra que, se a ganha, significará sua desaparição como força. E se a perde igual, mas ninguém faz uma guerra para perdê-la (bem, Felipe Calderón Hinojosa sim).
E aqui está o paradoxo da guerra zapatista: se perdemos, ganhamos; e se ganhamos, ganhamos. A chave está em que a nossa é uma guerra que não pretende destruir ao contrário no sentido clássico.
É uma guerra que trata de anular o terreno de sua realização e as posibilidades dos adversários (nós incluidos).
É uma guerra para deixar de ser o que agora somos e assim ser o que devemos ser.
Isto tem sido possível porque reconhecemos ao outro, a outra, que, em outras terras de México e do Mundo, e sem ser iguais a nós, sofrem as mesmas dores, sustentam resistências semelhantes, que lutam por uma identidade múltipla que não anule, avassale, conquiste, e que anseiam um mundo sem exércitos.
Há 17 anos, em 1 de janeiro de 1994, se fez visível a guerra contra os povos originários do México.
Olhando a geografia nacional neste calendário, nós recordamos:
Não éramos nós, os zapatistas, os violentos? Não nos acusaram de pretender partir o território nacional? Não foi dito que nosso objetivo era destruir a paz social, minar as instituições, semear o caos, promover o terror e acabar com o bem-estar de uma Nação livre, independente e soberana? Não assinalou-se até a fartura que nossa demanda de reconhecimento aos direitos e a cultura indígenas afrontava a ordem social?
Há 17 anos, em 12 de janeiro de 1994, uma mobilização civil, sem filiação política definida, nos demandou tentar o caminho do diálogo para resolver nossas demandas.
Nós cumprimos.
Uma e outra vez, apesar da guerra contra nós, insistimos em iniciativas pacíficas.
Durante anos temos resistido ataques militares, ideológicos e econômicos, e agora o silêncio sobre o que aqui ocorre.
Nas condições mais difíceis não somente não nos rendemos, nem nos vendemos, nem arquejamos, como também construimos melhores condições de vida em nossos povos.
Ao princípio desta missiva disse que a guerra é uma velha conhecida dos povos originários, dos indígenas mexicanos.
Mais de 500 anos despois, mais de 200 anos depois, mais de 100 anos depois, e agora com esse outro movimento que reclama sua múltipla identidade comunal, dizemos:
Aqui estamos.
Temos identidade.
Temos sentido de comunidade porque nem esperamos nem suspiramos porque vieram de cima as soluções que necessitamos e merecemos.
Porque não sujeitamos nosso andar a quem olha acima.
Porque, mantendo a independência de nossa proposta, nos relacionamos com equidade com o outro que, como nós, não somente resiste, também tem construido uma identidade própria que o dá pertencimento social, e agora também representa a única oportunidade sólida de sobrevivência ao desastre.
Nós somos poucos, nossa geografia é limitada, somos ninguém.
Somos povos originários dispersos na geografia e calendários mais distantes.
Nós somos outra coisa.
Somos poucos e nossa geografia é limitada.
Mas em nosso calendário não manda a soçobra.
Nós somente temos a nós mesmos.
Talvez seja pouco o que temos, mas não temos medo.
Adeus, Don Luis. Saúde e que a reflexão crítica anime novos passos.
Desde as montanhas do Sudeste Mexicano.
Subcomandante Insurgente Marcos.
México, Janeiro-Fevereiro de 2011

sexta-feira, 11 de março de 2011

X CONPE


Prezados (as) Senhores (as):

É com grande satisfação que a ABRAPEE – Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional convida psicólogos e profissionais que atuam no campo da educação bem como alunos de graduação, pós-graduação, pesquisadores e docentes para participarem do X CONPE – Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional, nos dias 03 á 06 de julho de 2011, na Universidade Estadual de Maringá, na cidade de Maringá, Paraná.

A temática desta décima edição do Congresso Psicologia Escolar e Educacional: Caminhos Trilhados, Caminhos a Percorrer visa destacar os vinte anos da ABRAPEE enquanto entidade na luta pela inserção do psicólogo no campo educacional, articulando e apresentando as principais contribuições da Psicologia para o campo da educação escolar e educacional em uma perspectiva da educação para todos e de uma sociedade democrática.

O Congresso contará com a apresentação de estudos e pesquisas, exposições, lançamentos de livros, relatos de experiências e de atuação em discussão no âmbito acadêmico, científico e profissional no campo da Psicologia Escolar e Educacional.

Incrições de trabalhos abertas até 30/03/2011, pelo site www.conpe.com.br

Contamos com sua divulgação e participação!!!