quarta-feira, 1 de julho de 2009

THE WEATHER UNDERGROUND:

O PROTESTO ESQUECIDO DOS ESTADOS UNIDOS
Alexandre Werrneck

O ano é 1969. Um grupo de ativistas de esquerda sai às ruas para protestar contra o governo, que impõe à juventude do país um dos maiores sofrimentos por ela já vividos. Para mudar as coisas no país, os jovens não hesitarão em depredar, seqüestrar, matar. Esse é um retrato bastante típico dos "anos de chumbo" no Brasil. Por isso mesmo, talvez seja tão difícil acreditar que ele descreve um momento da história... dos Estados Unidos. Tempo de Protesto (The Weather Underground) é um documentário surpreendente. Os diretores americanos Sam Green e Bill Siegel reencontraram vários dos antigos líderes do The Weather Underground, grupo de ativistas radicais formado por jovens brancos e idealistas americanos que começaram nos anos 60 lutando contra a guerra do Vietnã e viraram uma cruzada para derrubar o governo. O movimento pintou o caneco até ser encerrado, em 1981. Fez passeatas, quebrou vitrines, botou bomba no Capitólio, matou gente, e outras barbaridades inimagináveis para um nativo da Terra do Tio Sam pós-11 de setembro.

Além das entrevistas, os cineastas deram um mergulho em mais de 70 horas de imagens de arquivo, para selecionar imagens de protestos inacreditáveis até para o mais radical ativista antiglobalização de hoje. Ao ouvir os líderes do Underground, hoje mais velhos, fica a impressão de que aquele pessoal tentou, mas não conseguiu mudar o mundo. Um fio de desesperança parece escorrer de cada fala. "Alguns deles têm arrependimento, e talvez não fizessem de novo o que fizeram, mas eles têm o impulso, o desejo de que haja mudanças radicais", diz Sam Green, na piscina do Copacabana Palace. Na cidade para a exibição de seu filme no Festival do Rio (Bill Siegel foi para o Festival de Vancouver), ele conversou com a Outracoisa. Nascido em Detroit há 37 anos e hoje morador de São Francisco, o cineasta afirma que a situação em seu país está tão "foda" que "o outro lado" (quem não é nem republicano nem democrata) se desesperou e resolveu partir para o ataque, o que explica o surgimento de tantos filmes americanos criticando os EUA recentemente, como o seu ou Tiros em Columbine, do excêntrico Michael Moore. Tempo de Protesto participou da competição de documentários do Sundance Film Festival de 2003 e ganhou o Golden Gate Award de melhor documentário no San Francisco Film Festival deste ano. Na entrevista a seguir, Green fala dos complexos personagens do Underground, explica como se pode fazer filmes políticos sem ser um cineasta político e comenta a pedra no sapato do mundo, seu país, os EUA.

Muita gente no Brasil sequer imaginava a existência de um grupo que quis derrubar o governo nos EUA. Os americanos sabem que houve uma ditadura no Brasil?

Os americanos não sabem quase nada sobre o Brasil. Nós temos uma piada nos EUA que diz que essas guerras todas em que o país entra são feitas mesmo é para ensinar geografia para os americanos. Parece ser a única maneira de fazer as pessoas saberem onde é o Iraque ou o Afeganistão. Acho que os americanos só vão saber mais sobre o Brasil quando algum presidente americano resolver invadi-lo (risos).

No Brasil nós tivemos um "tempo de protesto" com vários grupos de ativistas radicais. A impressão que se tem hoje é que o pessoal que foi combativo ficou dócil. Em seu filme, tem-se essa mesma impressão do Underground. Que impressão você teve?

Eu cresci nos anos 80 e havia movimentos radicais no México, na América Central, na Europa, no Japão e a impressão clara era a de que eles estavam todos derrotados. As pessoas que cresceram nos anos 80 ficaram cínicas, com a crença de que você nunca poderá mudar o mundo. Eu mesmo me sentia assim. Mas eu queria ter ideais. Por isso me interessei tanto por eles. Quanto mais aprendo a respeito mais entendo que não é algo simples como dizer que eles tentaram e se deram mal e por isso mudaram. Todos eles estão ainda fazendo coisas. Eles têm hoje 50 a 60 anos e, nessa idade, você não faz mais as mesmas coisas que fazia quando tinha 20. Não se trata só de as pessoas terem mudado. O mundo mudou. Mas ainda há o desejo de mudar as coisas de uma maneira radical. Todos eles querem a revolução, mas não sabem como fazê-la agora. É uma condição triste, mas inspiradora, porque há tanta coisa acontecendo com os jovens dos movimentos antiglobalização. Eles podem falhar, mas se não tivermos esperança, é melhor cometer suicídio.

A impressão que se tem ao ouvi-los é que eles estão arrependidos.

Eles têm sentimentos conflituosos. Era luta armada e é complicado quando você pensa que no passado você fez coisas horríveis, mesmo que por uma boa causa. Alguns deles têm arrependimento, mas eles têm o impulso, o desejo de que haja mudanças radicais. O que é primordial, porque as coisas estão foda!

Você diria que um papel do filme é mostrar às novas gerações que é possível lutar?

Há um trecho de 1984, de George Orwell, que acho maravilhoso, quando ele explica como o partido domina tudo: "Quem controlar o presente, controla o passado. E quem controlar o passado, controlará o futuro". Porque se você sentir quer ninguém nunca fará nada, claro que nunca fará nada também. Nos EUA, somos muito controlados politicamente! O seu presidente, Lula, nos EUA estaria tão longe do que é aceitável que ninguém sequer escreveria sobre ele no jornal e ele nunca chegaria ao poder.

E você, o que achou do Weather Underground como alternativa política?

Não posso pensar nessa história em termos de certo ou errado. Trabalhei no filme por quatro anos e ainda não sei o que é certo ou o que é errado. Admiro aquelas pessoas, que tiveram muita coragem. Cada um deles, nas entrevistas, disse que eles tinham a nítida impressão de que não iam sobreviver. Admiro-os por isso. Mas, por outro lado, não tenho como não pensar que o que eles tentaram fazer não funcionou. Eles não fizeram a leitura correta do mundo, acreditaram que a revolução estava prestes a acontecer e não estava. É importante ser crítico.


Você se considera um cineasta político?

Em geral, arte e política não se misturam muito bem. Há muitos artistas politizados ruins, porque dizem: "isto é bom, isto é ruim". Não quero fazer isso. Por isso acho desconfortável misturar política e cinema. Mas, ao mesmo tempo, os filmes que faço tratam de assuntos políticos. Mas tento fazê-los respeitando a inteligência das pessoas. Acho que é muito difícil fazer um filme político bom, complexo, esteticamente instigante. Gostaria de fazer isso, mas não quero fazer parte desse grupo dos "cineastas políticos".

Muita gente diz que o digital foi uma revolução no cinema, porque democratizou a feitura de filmes como o seu. O que você acha disso?

Eu também adoro a idéia de pegar uma câmera digital, filmar e fazer a montagem com meu próprio computador, mas a verdade é que neste filme tínhamos imagens de arquivo e eu tive que pagar por elas. O filme se tornou uma grande produção porque tivemos que pagar toneladas de dinheiro para a Disney. As imagens vieram da ABC, que pertence à Disney.

Como o filme foi recebido nos Estados Unidos?

Trabalhei nele por quatro anos e começamos o trabalho antes do 11 de setembro. Antes, as pessoas achavam só uma história esquisitona. Mas depois de 11 de setembro, o clima no país mudou. Algum tempo depois, voltou a haver um movimento enorme de pessoas que querem George Bush fora e o filme voltou a ter certa relevância. Ele passa em cinemas por todo o país e a reação tem sido surpreendentemente positiva.


O que está havendo com os Estados Unidos? Bush governa vocês, vocês bombardeiam o Afeganistão, bombardeiam o Iraque etc. Ao mesmo tempo, os filmes mais radicalmente críticos aos EUA são americanos, como o seu filme ou os de Michael Moore.

Acho que o país está tão polarizado, com os republicanos e democratas de um lado, que o outro lado se desesperou. As pessoas não acreditam mais no sistema e estão com raiva. E elas entenderam que se não fizerem nada, nada vai mudar.

Como você vê o futuro de Bush?

Ele está perdido. Acho que ele vai perder feio. É a minha aposta... E minha esperança. Tem que ser, porque as coisas vão tão mal... Está foda! O que mais impressiona é que ele age como se estivessem maravilhosas.

Bush e outros governantes ajudaram a criar um dos movimentos mais fortes no mundo hoje: o anti-americanismo. Vejo você criticando Bush, mas você é americano. Como você vê a existência de um movimento contra seu país?

É muito simples: a América tem diferentes faces. Eu odeio a face de Bush também, mas, ao mesmo tempo, há várias coisas na América que me agradam. Mesmo com todo a desconfiança pós-11 de setembro, ainda é um país em que pessoas de diferentes culturas podem viver juntas. Os ideais americanos são nobres. O que temos que fazer é com que esses ideais sejam levados a cabo de fato, sem manipulação.

Link: Site do filme (www.theweatherunderground.com).

Fonte: Revista Outra Coisa (www.revistaoutracoisa.com.br).

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