domingo, 6 de setembro de 2009

O ofício do poeta

Ser o guardião da metamorfose

Elias Canetti, prêmio Nobel de literatura de 1981, diz que poeta é “uma palavra que sempre foi usada para designar os autores das obras mais essenciais da humanidade, obras sem as quais jamais chegaríamos à consciência daquilo que constitui essa mesma humanidade”.

Torna claro “o que um poeta hoje teria de trazer em si para satisfazer o que dele se exige”:

Antes de mais nada, diria que o mais importante é que ele seja o guardião das metamorfoses – e guardião em dois sentidos. Em primeiro lugar, ele se apropriará da herança literária da humanidade que é rica em metamorfoses (...) – esse aspecto mais próprio e enigmático do ser humano. – o dom da metamorfose”

Explica o segundo sentido: “num mundo onde importam a especialização e a produtividade (...), desprezando e embaciando tudo o que está no plano mais próximo – o múltiplo, o autêntico (...); num mundo que proíbe mais e mais a metamorfose, porque esta atua em sentido contrário à meta suprema de produção; que multiplica irrefletidamente os meios para sua própria destruição ao mesmo tempo em que procura sufocar o que ainda poderia haver de qualidades anteriormente adquiridas pelo homem que poderiam agir em sentido contrário ao seu – num tal mundo que se poderia caracterizar como o mais cego de todos os mundos, parece de fundamental importância a existência de alguns que, apesar dele, continuem a exercitar o dom da metamorfose.”.

Esta seria, creio, a verdadeira tarefa dos poetas. Graças a um dom que foi universal e hoje está condenado à atrofia, e que precisariam por todos os meios preservar para si, os poetas deveriam manter abertas as vias de acesso entre os homens. Deveriam ser capazes de se transformar em qualquer um, mesmo no mais ínfimo, no mais ingênuo, no mais impotente. Seu desejo íntimo pela experiência de outros (...) teria de ser absolutamente livre de toda a pretensão de sucesso ou prestígio, ser uma paixão por si, a paixão justamente pela metamorfose...”.

Só pela metamorfose (no sentido extremo em que essa palavra é usada aqui) seria possível sentir o que um homem é por trás de suas palavra: não haveria outra forma de apreender a verdadeira consistência” daquilo que nele vive.

Elias Canetti. A consciência das palavras. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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