por Bâ, Amadou Hampâté*
Quando fui nomeado membro do Conselho Executivo da Unesco, atribuí-me o objetivo de falar aos europeus sobre a tradição africana enquanto cultura. A coisa era um tanto difícil, já que na tradição ocidental foi estabelecido firmemente que, onde não há escrita, não há cultura. A prova da dificuldade é que, a primeira vez que propus que se considerassem as tradições orais como fontes históricas e fontes de cultura, provoquei apenas sorrisos. Alguns chegaram a perguntar, com ironia, que proveito a Europa poderia tirar das tradições africanas! Lembro-me de haver respondido: "A alegria, que vocês perderam". Talvez pudéssemos acrescentar hoje em dia: "Uma certa dimensão humana, que a civilização tecnológica moderna está prestes a fazer desaparecer".
O fato de não possuir uma escrita não priva a África de ter um passado e um conhecimento. Como dizia meu mestre, Tierno Bokar: "A escrita é uma coisa e o saber é outra. A escrita é a fotografia do saber, mas ela não é o saber em si. O saber é uma luz que está no homem. É a herança de tudo o que nossos ancestrais puderam conhecer e que nos transmitiram em germe, exatamente como o baobá, que já está contido em potência em sua semente".
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*Amadou Hampâté Bâ nasceu em 1900 em Bandiagara, região situada no atual Mali. Educado espiritualmente na religião islâmica, foi fortemente marcado pela identidade nascida de suas raízes ancestrais. Dedicou-se desde cedo à coleta de narrativas e acabou por se transformar em mestre da transmissão oral e especialista no estudo das sociedades negro-africanas das savanas. Entre 1962 e 1970 foi membro do Conselho Executivo da Unesco, tendo sempre se empenhado em fazer com que a tradição oral africana fosse reconhecida como fonte legítima de conhecimento histórico. Dentre outros títulos, é autor de Aspects de la civilisation africaine, Présence Africaine e Contes initiatiques peuls.
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