Penso que de tempos em tempos vale muito a pena parar e pensar sobre nossas verdades. Sempre acho que tenho alguns preconceitos, mas em alguns casos eles me convencem de permaneceram dentro de mim porque se configuram muito mais como conceitos do que como lugares anteriores que formatam o "pré". Questão de conceito, não de pré-conceito. Sou um homem de ritos, e as vezes de fé. Muito mais de ritos. Porém como filho de Tempo, entendo bem o lugar de cada coisa. E presenciar o que vem se tornando nossa cultura em nome de um tal evangelicismo que "só Jesus salva" é tão desesperador quanto sabedor da história de grande parte das religiões nos últimos éculos. Eu também não sou cristão. Até onde posso ver, nunca se matou, destruiu e odiou tanto como em nome de Deus. Por isso quando encontramos algumas figuras se esforçando em direção a algo mais equilibro e sensato isso merece minimamente nossa atenção. É o caso do Ricardo Gondim. Pastor, veio nos últimos tempos se distanciando do que é chamado "movimento evangélico" por não querer mais, segundo ele, estar associado a uma gente "a quem não se pode confiar a carteira". Busca novos ares e maior coerência com aquilo que considera útil. Para ele, que prefere a franqueza áspera dos “sem religião” a "carolice desencarnada dos
alienados" e reconhece que “o ateísmo ético supera em muito a canalhice
praticada em nome de Deus”, já tá na frente de muita gente. Defende a união homossexual e sofreu consideradas perdas por seus posicionamentos. Enfim, alguém que acabo de conhecer por seus textos e que nos faz pensar sobre esse esforço de sinceridade. Em um mundo que permite o assassinato e a hipocresia, desde que se aceite a salvação, ele merece algum crédito.
Repensar molduraRicardo Gondim
Ninguém vive fora de algum círculo. Quando escrevi o livro “Pensando Fora da Caixa” não sugeri o abandono de molduras. Não se pensa sem paradigmas. Propor anarquia intelectual é desatino. Nietzsche afirmou corretamente: “O nada nega a si mesmo”. Quem procura sair de formas busca mudar de lente ou de pedra de arranque. Não cogita cometer suicídio intelectual. Talvez tente criticar pressupostos; quem sabe, desobedecer bitola; com certeza, abrir algum cadeado.
Repensar moldura significa coragem de rir enquanto probos pensadores posam, com olhar compenetrado, de senhores da razão. Não há nada mais ridículo, e ao mesmo tempo engraçado, do que presenciar debate em que acadêmicos discutem a irrelevância do óbvio. Rubem Alves expressou seu desdém por essa moinha árida, que consome filósofos, teólogos e teóricos. Pensar nem sempre garante sentir. Como não desejava refletir o mundo como um espelho frio, disse: “É isso que me separa dos filósofos: sou um amante. Tenho um caso de amor com o universo…”. Para celebrar a vida é preciso esse namoro.
Repensar moldura significa não temer o mundo da sensibilidade. É preciso ousadia para chorar quando o riso se torna fácil e a alegria, banal. Na gargalhada dos medíocres, o pranto se torna virtude. Se galhofa expressar complacência, chegou a hora de lamentar. Compadecer, igual a sofrer com, precisa migrar dos imperativos e virar privilégio.
Repensar moldura significa manter acesa a flama da esperança e em tempos cínicos, sonhar. Esperança se define como a teimosia de plantar uma árvore mesmo se não há mais idade para descansar à sua sombra.
Repensar moldura significa aprender a disciplina da prece. É fazer da contemplação o alimento de uma fé que zomba do pessimismo, acredita em outro mundo possível, pisa os grilhões do destino e profetiza um porvir, em que justiça e paz se beijam.
Repensar moldura significa escolher estrada menos trilhada. Quando a multidão preferir os píncaros, descer aos vales. Se todos acharem que lodaçais crescem, sacudir a lama e alçar o voo das águias.
Repensar moldura significa não ter medo de andar para trás. É desprezar o progresso, achincalhar o sucesso, voltar à idade menina de falar na língua do “P”, apaixonar-se perdidamente, assombrar-se com a escuridão, ver o mundo grande, fechar os olhos ao grotesco e perceber anjos e fadas ao derredor.
Repensar moldura significa assumir-se. Canhotos não precisam envergonhar-se do canhotismo. Baixinhos não devem se sentir inadequados. Orientação sexual não define caráter. É revoltar-se com as etiquetas imbecis de uma cultura burguesa que parasitou em costumes franceses e, depois, emulou o pior dos Estados Unidos.
Repensar moldura significa desvencilhar-se de afirmações piegas, ridiculamente sentimentais. É preferir a franqueza áspera dos “sem-religião” ao invés da carolice desencarnada dos alienados e por fim, constatar que o ateísmo ético supera em muito a canalhice praticada em nome de Deus.
Soli Deo Gloria