terça-feira, 19 de junho de 2012

Preparação da qualificação

Esse texto é a primeira parte de um dos capítulos (exatamente o 4º) de minha tese de doutorado que está sendo feita no Programa de Psicologia Social da PUC de São Paulo provisóriamente intitulada "Metamorfoses da Tradição e sua apropriação crítica: a América Latina em luta". A qualificação se aproxima...

Parte I
Uma palavra que é cor: algo sobre uma história reparadora.
A história das cores
Contada por Subcomandante Marcos

 “Acendo o cachimbo e, depois das três longas tragadas rotineiras, começo a contar-lhes, exatamente como fez o velho Antônio...

            O velho Antônio mostra uma arara que cruza  a tarde.

-        Olhe – diz. Eu olho esse impressionante raio de cores no quadro cinza de uma chuva que se anuncia.

-       Parece mentira que um só pássaro tenha tantas cores – digo ao alcançar o alto do morro.

            O velho Antônio se senta em um pequeno declive livre do barro que invade este cainho real. Recupera a respiração enquanto enrola um novo cigarro. Só quando estou uns passos adiante é que percebo que ele ficou para trás.

        Volto e me sento a seu lado.

-        O senhor acha que vamos chegar ao povoado antes da chuva? - eu pergunto enquanto acendo o cachimbo.

        O velho Antônio parece não escutar. Agora é um bando de tucanos que distrai sua vista. Na sua mão, o cigarro espera o fogo para iniciar o lento desenho da fumaça. Ele limpa a garganta, acende o cigarro e se acomoda, como pode, para começar, lentamente.

        “A arara não era assim. Ela quase não tinha nenhuma cor. Era só cinza. Suas penas eram curtas, como uma galinha molhada – mais um pássaro entre todos os outros que não se sabe como tinham chegado ao mundo. Os próprios deuses não sabiam quem fizera os pássaros. Ou como haviam sido feitos.

        Assim era a vida. Os deuses despertaram depois que a noite disse 'agora é a minha vez' para o dia. E os homens e mulheres estavam dormindo ou se amando, que é uma forma bonita de ficar cansado para dormir logo depois.

        O deuses lutavam, sempre lutavam esses deuses que eram muito briguentos, não como os primeiros, os sete deuses que criaram o mundo, os primeiros de todos. E os deuses lutavam porque o mundo era muito chato, pois era todo pintado somente com duas cores.

        E os deuses estavam certos de ter raiva porque só duas cores se alternavam no mundo: uma era o preto que comandava a noite, a outra era o branco que caminhava durante o dia. A terceira não era uma cor, era o cinza que pintava as tardes e as madrugadas para suavizar um pouco o preto e o branco.

        E esses deuses eram briguentos, mas sábios. E, durante uma reunião, conseguiram chegar a um acordo para criar mais cores que alegrassem o caminhar e o amar dos homens e mulheres morcegos.

        Um dos deuses começou a caminhar para pensar melhor seu pensamento. E tanto pensava seu pensamento que não olhou para o caminho e tropeçou numa pedra assim de grande e caiu de cabeça e começou a sangrar.

        E o deus, depois que ficou chorando por um bom tempo, olhou seu sangue e viu que era outra cor, além das duas cores. E foi correndo para onde estavam os outros deuses e lhes mostrou a nova cor e deram o nome de 'vermelho' para essa cor, a terceira que nascia.

        Depois, outro deus procurava uma cor para pintar a esperança. Ele a encontrou depois de bastante tempo, foi mostrá-la na assembléia dos deuses e a chamaram de 'verde', a quarta.

        Outro começou a cavar fundo na terra. 'O que você está fazendo?', perguntaram-lhe os demais deuses. “Procuro o coração da Terra', respondeu enquanto lançava terra para todos os lados. Logo depois, ele encontrou o coração da Terra e mostrou aos outros deuses, e colocaram na quinta cor o nome de 'marrom-café'.

        Outro deus foi para cima. 'Vou olhar de que cor é o mundo', disse e começou a subir e a subir até lá no alto. Quando chegou bem alto, olhou para baixo e viu a cor do mundo, mas não sabia como levá-la até onde estavam os outros deuses. Então ficou olhando por muito tempo, até que ficou cego, porque já tinha a cor do mundo em seus olhos. Desceu como pôde, aos tropeções, chegou ao lugar da assembléia dos deuses e disse: 'Nos meus olhos, trago a cor do mundo', e deram o nome de 'azul' à sexta cor.

        Outro deus estava procurando cores quando escutou uma criança rindo, aproximou-se com cuidado e, quando a criança se distraiu, o deus lhe arrebatou a risada e a deixou chorando. Por isso dizem que as crianças de repente estão rindo e de repente estão chorando. O deus levou o riso da criança e puseram o nome de 'amarelo' a essa sétima cor.

        Nesse momento, os deuses já estavam cansados e foram beber pozol, uma bebida refrescante, e dormir, deixando as cores numa caixinha, debaixo de uma ceiba, uma árvore muito comum no México. A caixinha não estava muito bem fechada e saíram e começaram a brincar alegremente, e se amaram e surgiram mais cores diferentes e novas. E a ceiba olhou tudo isso e decidiu cobri-las para que a chuva não apagasse as cores. Quando os deuses chegaram já não eram sete cores, mas eram muitas cores. Eles olharam a ceiba e disseram: 'Você deu à luz as cores, então você vao tomar conta do mundo. E, do alto de sua cabeça, nós vamos pintá-lo'.

        Subiram no alto da copa e dali começaram a jogar as cores ao acaso: o azul ficou parte na água e parte no céu, o verde caiu nas árvores e nas plantas, o marrom-café, que era mais pesado, caiu na terra, o amarelo, que era a risada de uma criança, voou até pintar o sol, o vermelho chegou até a boca dos homens e dos animais, que o comeram e ficaram vermelhos por dentro, e o branco e o preto já estavam no mundo, e era um relaxo como os deuses lançavam as cores, e nem se preocupavam onde elas iam parar, e algumas cores salpicaram nos homens e é por isso que existem homens de diferentes cores e diferentes pensamentos.

        Depois, os deuses se cansaram e foram dormir novamente. Esses deuses, que não eram os primeiros, os que criaram o mundo, só queriam dormir. E, então, para não esquecer ou perder as cores, pensaram numa forma de guardá-las.

        E estavam pensando profundamente nisso quando viram a arara. Então, agarraram a arara e começaram a colocar nela todas as cores. Aumentaram suas penas para que coubessem todas. E foi assim que a arara ganhou suas cores e anda por aí passeando, para que os homens e as mulheres não se esqueçam que existem muitas cores e pensamentos, e que o mundo só será alegre se todas as cores e todos os pensamentos tiverem seu lugar.”

        FIM.

Será apenas uma história? Os zapatistas pela poesia e os excessos do esquecimento.


        Como podemos perceber o narrador da história é o velho Antonio. Há muitas versões para a existência de Antonio. Alguns dizem ser ele uma espécie de conselheiro dos zapatistas, enquanto para outros ele na verdade não existe e é uma imagem para demarcar a importância da ancestralidade. De toda forma é com enorme freqüência que os zapatistas iniciam seus comunicados e discursos com referências aos que “vieram antes”, aos “antigos”, aqueles que “viviam de outro modo” ou como “aqueles que nos ensinaram”. Independente de Antonio ser real ou não, pode-se notar uma prática da memória que traça seus caminhos contra o esquecimento.

        São todas maneiras de fazer alusão a sua memória e o reconhecimento de algo que antecedeu a presença deles nesse momento. Aqui já encontro a primeira semelhança da ladainha no capítulo 3: a presença do antigo, do velho ou ancião e uma possível representação do conhecimento por essa imagem. A ancestralidade para os zapatistas e outros povos originários[1] possui uma clara conotação política porque é também através dela que eles constroem críticas ao contexto presente. Suas relações intersubjetivas estão em um evidente movimento de valorização da coletividade, sendo essa relacionada a algo anterior, a memória e aos contextos que constroem sua vida presente. Para eles é fundamental a relação com aquilo que veio antes e é nesse ponto que encontramos o mágico para reconhecer a importância da poesia em sua luta.

        Sua racionalidade aceita os símbolos do fantástico e do absurdo e aparecem na maneira de contar a história. Uma racionalidade que agrega parte dos mistérios do mundo. Um reconhecimento da vida que não é apenas instrumental, com a lógica cartesiana, mas também da aceitação do incompreendido, do abstrato e do irracional: eis o primeiro indício dos deuses. A figura do velho  Antonio faz despertar isso e sua narrativa conduz para um universo mítico, mas igualmente organizador. Ela, a narrativa e a figura de Antonio, não estão interessadas somente em responder as necessidades práticas do mundo, ou seja, uma curiosidade sobre as cores de um pássaro, mas autorizar um lugar à inquietação contida na pergunta. Ela brinca com nossa incompreensão e aceita seu desassossego. É em parte uma história sobre o conflito: “sempre lutavam esses deuses que eram muito briguentos...”; também sobre a necessidade da diferença e transformação: “E os deuses estavam certos de ter raiva porque só duas cores se alternavam no mundo...”;  e também de reconhecimento: “E esses deuses eram briguentos, mas sábios.”

        Como já mencionei a respeito da metamorfose, a ambiguidade faz parte daquilo que a constitui. São deuses que se parecem com humanos, com suas paixões, seus atos e temperamentos conflitivos. Assim como na ladainha onde aparece o velho Mestre Pastinha, um diálogo possível entre ele e Antonio se constrói em uma conversação imaginada no conflito e no paradoxo da vida. Ela, a metamorfose, está nas cores: primeiro no modo em que surgem e nas necessidades dos deuses por algo mais alegre e diversificado. Depois na própria mistura e nos sacrifícios que cada deus precisa fazer para encontrar uma cor. É necessário caminhar por lugares distintos para realmente encontrar outras cores. Porém, porque conta o velho Antonio essa história para Marcos? Existirá algum objetivo oculto?

        Escolho falar dos zapatistas pela sua poesia, por seus mitos e por afetos, e não necessariamente por sua trajetória histórica e de luta política. Praticamente desde o levante de 1994 essa tem sido a leitura predominante sobre seu movimento[2]. A história que apresentei, de diferentes modos contém o que precisamos para considerar a metamorfose e seus efeitos implicados na possibilidade de um projeto emancipatório. O que é fundamental antes de ir adiante, é reconhecer que não é toda luta indígena possuidora de um objetivo político “tradicional” no que diz respeito a sua emancipação, como por exemplo, dizer que a luta pela terra nesse contexto é uma luta classista. A questão territorial indígena é diferente da dos campesinos e o ponto sobre autonomia é central nessa diferença (Adamovsky, 2011). Não se pode afirmar que as identidades políticas de seus protagonistas necessariamente estão criando políticas de identidades[3]. Essa é uma possibilidade, mas não uma certeza, e é nesse tempo/espaço que os abusos do esquecimento se fazem sentir, ainda que não tão forte.

        Permita-me o leitor distanciar-me aparentemente da História das cores, mas não sem antes responder parcialmente uma possível razão para Antonio contar essa história. Ela é contada para não esquecermos, ou no melhor dos casos, para evitar os excessos do esquecimento. Ele nos conta para recordar de onde veio, tentando entender e representar o que acontece agora entre a luta zapatista. E para mim, enquanto investigar da subjetividade, a questão é também sobre o modo que se organizam e lutam, mas principalmente como se sentiram e percebem isso. É um interesse sociológico, mas também psicológico.

            Compartilho, além disso, que acabo de mencionar, com a preocupação pública de Paul Ricoeur (2007) ao dizer-se perturbado com o inquietante espetáculo que apresentam os excessos da memória aqui, o excesso de esquecimento acolá, sem falar da influência das comemorações e dos erros da memória – e de esquecimento (p. 17). Ele trabalha pela idéia de uma política da justa memória[4]. No sentido de uma justa memória por sua crítica ao que tenta impedi-la e por seu enfrentamento as ideologias da história que tratam de expôr apenas um único interesse ou versão. Como aqui priorizo um discurso que surge de uma história que evoca o lendário, o mítico e a imaginação, esse autor oferece valiosas contribuições exatamente por seu rigor metodológico e principalmente por propor uma alternativa aos excessos do esquecimento. Mas será essa história tão fantasiosa assim que necessitamos temer pela memória?

            Desejo com isso, ao seguir considerando uma memória reflexiva, as investigações da memória de si mesmo, localizar mais elementos possíveis e necessários para a apropriação crítica da  tradição, recordando o leitor que esse é um dos objetivos desse trabalho. Essa apropriação pouco pode fazer para si e para as idéias sem considerar os embates entre a memória e a imaginação. Isso porque a representação do passado precisa lidar com as aparências da imagem. Como nos alerta Ricoeur (2007)

(…) é sob o signo da associação de idéias que está situada essa espécie de curto-circuito entre a memória e a imaginação: se essas duas afecções estão ligadas por contigüidade, evocar uma – portanto, imaginar – é evocar outra, portanto, lembrar-se dela. Assim, a memória, reduzida à rememorização, opera na esteira da imaginação. Ora, a imaginação, considerada em si mesma, está situada na parte inferior da escala dos modos de conhecimento, na condição das afecções submetidas ao regime de encadeamento das coisas externas ao corpo humano. (p. 25)

            A análise de Ricoeur é rigorosa e sabe que essa problemática da memória e da imaginação está remetida a uma história longa e que se confunde com a própria filosofia ocidental. A mim interessa reconhecer um ponto crucial nesse longo percurso, feito com propriedade por Ricoeur, que diz respeito a uma dissociação da imaginação e da memória que precisa se estender a algo tão distante quanto possível.

Sua idéia diretriz é a diferença, que podemos chamar de eidética, entre dois objetos, duas intencionalidades: uma, a da imaginação, voltada para o fantástico, a ficção, o irreal, o possível, o utópico;  a outra, a da memória, voltada para a realidade anterior, a anterioridade que constitui a marca temporal por excelência da coisa “lembrada”, do “lembrado” como tal. (idem, p. 26)

            De todo modo, essas intencionalidades consideradas em uma epistemologia fenomenológica da memória, é sempre para considerar uma representação do passado, e nesse ponto, existem as diferenças eidéticas entre a imagem e a lembrança. Ricoeur sinaliza dois marcos rivais e complementares que se confrontam sem interrupção, sendo um platônico e outro aristotélico. O primeiro, centrado no tema da eikon, fala da representação presente de uma coisa ausente; ele advoga implicitamente o envolvimento da problemática da memória pela da imaginação. O segundo, centrado no tema da representação de uma coisa anteriormente percebida, adquirida ou aprendida, preconiza a inclusão da problemática da imagem na lembrança. (p. 27)

            Falo disso porque apesar do uso genérico que se é possível fazer da memória ela é ainda assim diferente da lembrança. Em parte por uma representação e pelo que se mantém presente. O eikon  grego já continha a reflexão de que a imaginação e a memória tinham como traço comum a presença da ausência, e como traço diferencial, de um lado, a suspensão de toda posição de realidade e a visão de um irreal, e do outro, a posição de um real anterior. (p. 61) A lembrança se esforça em descrever o fato em si, enquanto a memória dificilmente escapa dos julgamentos e valores que cada um, indivíduo ou grupo, atribui ao fato.

            Quanto ao que representa, ou re-apresenta, considerando a história das cores um componente presente na tradição dos povos de Chiapas, particularmente mayas, é que se re-significam elementos, conceitos e movimentos na tradição desse povo. Esses componentes na tradição não podem ser apenas imaginados, mas de algum modo a partir dessa lembrança, convocam a uma materialidade. Os sentidos que cada sujeito pode dar na representação da tradição obriga-o a uma condição presencial de tudo que é dito, ou seja, para falar de tradição há de viver a mesma! Como falei anteriormente, qualquer formulação conceitual que ajude a organizar a tradição precisa de uma experimentação. Sem isso é grande o risco de termos uma tradição inventada em demasia nas esteiras da imaginação. É o corpo que contém a materialidade da tradição, pois a representação, no ato de representar, precisa de inserção, ou seja, sem viver e experimentar a função do mito, assim como a da memória, que é a de organizar passado, presente e futuro, nada ocorre. Isso confere para aquilo que é lembrado uma maior legitimidade sobre toda recordação em si, afinal, o lembrado apoia-se no representado. (p. 64)

               Espero ao fazer essa pequena observação explicar a importância de se usar essa história como instrumento de memória, ainda que fantástica e mágica, e sua representação na luta dos zapatistas e de outros movimentos indígenas como os de Oaxaca. Ela auxiliará mais adiante pensar o lugar da sabedoria e em outras necessidades de mediação com a memória e a imaginação. Estou considerando a história apresentada como um instrumento para a sabedoria. Como dito de “memória” pelos chineses em seu I Ching – o livro das mutações, o sábio é quem conhece o segredo da semente. Ele é conhecedor da metamorfose, em que ou/e no que as coisas se transformam. Ele conhece o vir-a-ser, conhece a passagem. Uma prática do pressentimento[5] foi feita, e no que diz respeito a memória, o devir não significa fundamentalmente passagem, mas duração[6]. O velho Antonio amplia assim a percepção do próprio pertencimento, necessário para conhecer, e consequentemente reconhecer.


[1]    É importante esclarecer a razão de falar “os zapatistas e outros povos originários” por dois motivos. Primeiro que o zapatismo é um movimento social e não um povo, mas composto em sua grande maioria por descendentes mayas originários da selva Lacandona no Estado de Chiapas, e também por mestiços e não-indígenas, como o próprio Subcomandante Marcos. Segundo, que as reivindicações e a luta por reconhecimento indígena presente no zapatismo nem sempre esteve presente como a conhecemos hoje. Isso foi sendo construído ao longo dos anos e fica claro ao olharmos suas Declarações emitidas desde 1994. Durante os anos 80 sua estrutura e pautas estavam mais embasadas na luta campesina do que indígena, mesmo sendo essa uma linha tênue de difícil definição.
[2]   Grande parte da bibliografia sobre os zapatistas e os movimentos que enfluenciou está no campo da sociologia, antropologia e ciências políticas. Ver particularmente as obras de  John Holloway, Marina Sitrin, Massimo de Felici, Francisco Ferrara e Gustavo Esteva.
[3]    Não irei debater isso aqui, até porque muitos já o fizeram, particularmente Antonio Ciampa (2005), mas é sempre importante esclarecer que as políticas de identidade são construídas pela atuação das identidades políticas e não o contrário. Já pontuei algo nesse sentido ao falar da capoeira angola. As identidades políticas constroem por diferentes processos suas lutas para criar políticas de reconhecimento. As políticas de identidade são extensões de seus projetos para emancipação. Pretendo então pensar parte de sua luta por reconhecimento considerando uma perspectiva poética e pouco usual na psicologia social sobre essa luta. A questão da subjetividade não pode estar distanciada das necessidades materiais de nenhum movimento social e isso me faz pensar na urgência de considerar os afetos e a poesia dos protagonistas nesse processo. Mais adiante ao discutir e analisar as entrevistas feitas com brasileiros e mexicanos volto a afirmar o interesse sobre as razões dessas pessoas em fazerem parte de uma luta política, e particularmente, tentar olhar para um protagonismo crítico que reivindica uma determinada tradição para sua autonomia. Evidentemente que me interessa sua organização social, seus motivos políticos, mas o alcance dos encontros que pude vivenciar é buscar saber a respeito das identidades e das metamorfoses que meus entrevistados puderam contar.
[4] Deixemos mais evidente: não me cabe aqui fazer uma análise crítica de toda obra de Paul Ricoeur, mas é particularmente seus pensamentos em A memória, a história, o esquecimento (ed. Unicamp, 2007) uma referência significativa nesse trabalho.
[5]    No capítulo 3 sobre metamorfose e memória discuti o pressentimento, anunciação e projeto.
[6]    “Talvez aí esteja a verdade profunda da anamnésis grega: buscar, é esperar reencontrar. E reencontrar é reconhecer o que uma vez – anteriormente -  se aprendeu. As poderosas imagens do “lugar” nas Confissões de Santo Agostinho, comparando a memória a “vastos palácios”, a “depósitos” onde as lembranças são armazenadas, nos encantam literalmente. (…) Para resistir a essa sedução, é preciso incessantemente formar de novo a cadeia conceitual: sobrevivência igual latência igual impotência igual inconsciência igual existência.” (Ricoeur, 2007, p. 443) Pois um devir que dura, segundo o autor, é no que consiste a intuição mestra da obra Matéria e Memória de Bergson, que influencia diretamente Ricoeur.

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