quarta-feira, 10 de junho de 2009

História de vida.

Um dia o cineasta Walter Salles subiu o morro do Cantagalo, no Rio, à procura de novas expressões artísticas. De lá, saiu com um documentário e uma descoberta: Adão Dãxalebaradã. Waltinho foi levado à casa desse músico desconhecido por Luanda, caçula dos filhos de Adão e bailarina do projeto Dançando para Não Dançar. O diretor de Central do Brasil ficou impressionado com o compositor, de mais de 500 canções, e o apresentou à sua parceira Daniela Thomas e ao irmão dela, o produtor musical Antônio Pinto. “Fiquei obcecado em registrá-lo. Adão tem um discurso de contestação, de paz, mas com olhar particular”, disse Antônio. Hipnotizados pela mistura de sons – reggae, samba, afro-beat, rap – e pelas letras vigorosas, os três decidiram revelar Adão. O resultado foi o disco Escolástica, o documentário Somos Todos Filhos da Terra e o videoclipe Armas e Paz.

Sobrevivente de emboscadas da polícia e de bandidos, levou 12 tiros. Quatro foram de metralhadora, e foi perseguido por 30 homens da polícia especial. Segundo Adão, o motivo foi ele ter sido excluído do Exército, conforme crê, por preconceito racial. Passou a pregar peças no coronel responsável pela sua exclusão. Em plena ditadura militar, conta ter sido até torturado. Um dos tiros de metralhadora ficou a um dedo do coração, e Adão passou meses no hospital.

A última bala ele levou quando tentava se afastar da violência do morro, como mecânico, em 1973. Em tese, foi assalto. Quis reagir e, sem ver que havia outro bandido atrás, foi alvejado. O tiro o deixou numa cadeira de rodas. “Sou semiparaplégico, consigo andar segurando nas coisas, tomar banho sozinho, fazer sexo", dizia. "Na verdade o tiro foi um mal que veio para bem, pois descobri as coisas da Umbanda e do Candomblé”. Daxãlebaradã é uma qualidade de Xangô que significa “Princípio, Meio e Fim”. Este foi o nome espiritual que adotou desde então.

Adão começou a fazer música aos cinco anos: “Meus pais eram crentes. Fazia hino de igreja”. Sua brincadeira era imitar o pastor. Aos oito anos, fugiu de casa e foi morar na rua. “Não tinha liberdade, era criado na base da pancada. Não podia jogar bola de gude nem soltar pipa porque eram coisas do diabo”, lembrava ele, o mais velho de nove irmãos. “Só podia brincar no porão. Não podia me misturar com filhos de pessoas que não eram da igreja.”
Na rua, sobrevivia com o que lhe davam. Foi encaminhado a uma instituição para menores, onde ficou dos 9 aos 17 anos. Foi guia espiritual de sua comunidade e por ser ligado às raízes afro-brasileiras, compôs cerca de 500 músicas sobre o tema. Residia no Morro do Cantagalo, em Ipanema. Faleceu no Hospital Miguel Couto, segundo alguns, vítima de uma Hepatite C com infecção generalizada, sendo enterrado no cemitério São João Batista, mas há muitos que juram que Adão incomodou o pessoal do tráfico, quando fêz a música "armas e paz", um protesto criticando o tráfico de armas e sua morte foi "repentina" e estranha demais...
A música de Adão é forte, cheia de fúria, com as letras focadas na injustiça de todos os matizes. Tocava apenas um atabaque - que era como compunha suas músicas - e muita gente achava que fazia parte da galera do funk carioca, o que o produtor Antônio Pinto provou não ser verdade, pois construiu junto com Adão um dos discos mais lindos da história da música brasileira. Adão era um homem de raiva e de fé, raiva dos poderosos que manipulam idéias para manter os homens escravizados, raiva da apatia dos seus iguais e fé na força de suas origens no Orun e nos rios da África, que o inspiravam na sua pregação libertária. Com uma voz rouca e profunda, forjada na tristeza e na difícil vida que levou, ela soa como se viesse de antes dos tempos, tempos melhores que estes que o fizeram vítima da violência. Adão foi uma perda, quase despercebida pelos homens, mas certamente, será sempre lembrado pelos deuses.
Deixou dois filhos: Ortinho e Luanda.
Obrigado Yan Kaô! Todas as palavras aqui foram dele.

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