A Latin American Studies Association deve um pedido de desculpas à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. É provável que o conteúdo deste post não tenha interesse para a maioria dos leitores do blog e o dito aqui seria mais eficientemente expresso numa carta à direção da LASA. Opto pelo post, ao invés da carta, por dois motivos. Em primeiro lugar, porque não tenho a menor esperança de que a LASA reforme seus hábitos neocoloniais e, para ser honesto, interessa-me muito pouco o que pensa sua direção. Em segundo lugar, talvez valha a pena divulgar algo sobre os bastidores e as caixas-pretas das associações profissionais acadêmicas.
Qual o motivo da indignação? Cheguei ao Campus da Gávea na quinta-feira e vi algo que nunca havia visto em vinte anos de vida profissional e participações em congressos acadêmicos de todo tipo. A LASA havia contratado uma firma de segurança, com dezenas de meganhas engravatados, para policiar as portas das salas de aula e impedir a entrada de não-inscritos. A grande maioria dos não-inscritos que poderiam ter interesse em assistir o congresso eram, claro, pessoas daqui do Rio de Janeiro, especialmente alunos da PUC, que estava hospedando o congresso da LASA sem receber, para isso, nem um centavo.
Agora vejam a falta de noção: como é possível que uma associação gringa de estudos latino-americanos traga seu congresso para o Brasil e enfie dentro de um campus universitário uma legião de meganhas de uma firma de segurança privada sem perceber a significação simbólica disso num país como este? O que eles imaginavam? Que a favela ia descer em peso e ameaçar o congresso? Não há nada mais alheio à América Latina do que as associações gringas de estudos latino-americanos. Não aprendem. Não adianta.
Os pobres meganhas, engravatados, zanzavam como zumbis, sem ter muita ideia de onde se encontravam e de qual era a sua função, a não ser policiar os crachás pendurados nos cangotes dos congressistas. Força de segurança na porta de sala de aula. Foi vergonhoso, embaraçoso, constrangedor. Como é possível que uma associação gringa, num congresso realizado no Brasil e intitulado “Repensando as desigualdades”, possa fazer algo assim ser se dar conta da ironia implícita? Qual é realmente o grande prejuízo em deixar que as pessoas da comunidade entrem numa sala de aula e escutem uma palestra? Será que a LASA não percebe que está na contramão da história? Será que não percebe que a informação quer ser livre?
O caso passou a me interessar e acabei dando uma pesquisada. Vamos aos números.
A inscrição para o congresso da LASA custava US $240,00 para não-membros. Pelo câmbio de hoje, isso dá R$ 468,00. Se algum gringo sem noção da LASA estiver me lendo, saiba que isso representa, no Brasil, mais de um salário mínimo mensal. A LASA hospedou seu congresso, com milhares de associados, no campus da PUC-RJ sem pagar-lhe um centavo. Pagou as horas extra dos funcionários da PUC que trabalharam no congresso, mais nada. É verdade que a LASA oferece bolsas de viagem para alguns associados latino-americanos, mas esses gastos são amplamente cobertos por um fundo que advém de doações. Não seria decente que uma associação gringa multimilionária contribuísse em algo com o considerável aumento de custos operacionais que tem uma universidade brasileira que hospeda um congresso desse gigantismo?
Os pobres meganhas zumbis, policiais do crachá alheio, recebiam R$ 50 por um dia inteiro de trabalho, sem vale-transporte. O rapaz com o qual conversei vinha de Bangu. Deixo, para leitores que conhecem melhor que eu o sistema de transporte carioca, o cálculo de quanto esse rapaz gastou na viagem de ida e volta de Bangu para a Gávea. Limito-me a informar que a LASA calcula suas taxas em dólar e que, nos EUA, o salário mínimo é US$ 6,55 por hora. É só fazer as contas da exploração.
Fontes da Pontifícia Universidade Católica me confirmaram que:
1) Não receberam qualquer tipo de material que lhes permitisse divulgar o congresso entre a comunidade.
2) Os professores foram surpreendidos, na quarta-feira, quando a universidade ainda estava em aulas, por uma enorme força de segurança uniformizada. Estatelados, imaginaram que se tratava de uma blitz policial. Era, claro, o aparato de segurança da LASA. Bicho, é insultante demais.
3) Incontáveis propostas de mesa apresentadas por docentes da PUC foram rejeitadas. Aliás, os critérios de aprovação de mesas nesse tipo de congresso são outra caixa-preta. Não falo por interesse próprio, já que recebo muito mais convites do que sou capaz de atender. A própria LASA me convidou para organizar uma mesa neste congresso (convite que, suponho, depois deste post, terá sido o último; reitero que pra mim dá na mesma).
4) Evidentemente, todos os gastos de viagem e hospedagem – com a exceção das bolsas mencionadas, cobertas pelo fundo citado – correm por conta dos congressistas ou de suas instituições. Ora, se a LASA não pagou um centavo à PUC, se as bolsas de viagem oferecidas são cobertas por um fundo especial, se os pobres e inúteis meganhas receberam 50 mangos por dia, onde vão os 240 dólares de cada um dos milhares de congressistas? Algum dos associados que me leem tem ideia dessa caixa-preta? Não venham me falar de custos de publicação dos anais. Estamos na era da publicação barata.
A questão talvez interesse aos leitores do blog, no final das contas, por analogia com as associações profissionais brasileiras. Alguém tem realmente ideia de como funcionam, por exemplo, as finanças da OAB?
Para além da questão financeira, a LASA deve um pedido de desculpas à comunidade universitária brasileira. Não se enfia uma força especial de segurança no interior de um campus quando você está sendo hospedado. Não é possível que alguém estude a América Latina e não saiba o que isso significa. É muita falta de noção.
PS: Meu agradecimento à Pontifícia Universidade Católica pela hospitalidade.
PS 2: Obrigado, Rio de Janeiro. Obrigado. Vir aqui é renovar a alma e a alegria de viver.
PS 3: Minha palestra de daqui a pouco, no IFCS, é aberta ao público. A UFRJ não é a LASA.
*do blog www.idelberavelar.com
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