quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

2012

Por Christian Ingo Lenz Dunker, psicanalista, professor livre-docente do Instituto de Psicologia da USP.

No fim de todo ano vivemos um período de exceção. Suspende-se a batalha, a luta. O cotidiano de trabalho, as tarefas domésticas e os encargos com a sobrevivência se convertem em trégua. É possível fazer um paralelo com uma situação ocorrida no século passado. Quando terminou a Primeira Guerra Mundial e muitos soldados retornaram para casa, suas famílias e amigos, ou o que restava deles, aguardavam intensamente o reencontro. Contrariando as expectativas, os soldados voltaram profundamente silenciosos. Não havia nada a contar, eles estavam empobrecidos – sem possibilidade de transmitir suas experiências. Sobreviver a uma guerra, ainda mais de tais proporções, deveria ser uma aventura que pudesse ser convertida em uma boa história: triste, sofrida ou heroica, tanto faz, desde que fosse umanarrativa capaz de transmitir e integrar fragmentos de sentido à comunidade de origem da qual a pessoa partiu. Mas não foi isso o que se verificou.

Havia relatos e descrições – mas tais fatos e informações, por si sós, não são suficientes para construir boas histórias. Uma nova forma de miséria tinha sido inventada: o sofrimento moral da guerra fez surgir a miséria narrativa, a morte do desejo ou das condições para compartilhar tais experiências simbolicamente. Se o final do ano pode ser comparado a uma trégua, ele nos convida a enfrentar o mesmo dilema dos soldados que retornavam. Como contar a história do que se passou?

Essa questão levou o pensador alemão Walter Benjamin à importante distinção entre a vivência (Erlebnis) e a experiência (Erfahrung). Ele notou que um conjunto de vivências, intensas ou banais, não constitui necessariamente uma experiência. De fato, o progresso da técnica – principalmente da que se instala em nosso cotidiano – torna mais fácil a produção de vivências. Chamemos esta sensação de “efeito internet”, ou seja, a sensação psíquica de que tudo está mais rápido, mais acessível e prático: viajar, comprar, namorar, transar, comunicar, trabalhar, saber. Ao mesmo tempo, como acontece com aquilo que se massifica, tudo parece mais banal, vazio e pobre: “Conheça a Europa em sete dias, visite dez capitais!” Resultado: muitas vivências, nenhuma experiência. Voltamos da viagem, no máximo, com uma coletânea de fotos e fatos que tendem a se misturar de forma homogênea e decepcionante. A vivência é a verticalização das sensações, o que as torna efêmeras e individuais. Quem já jogou videogame por mais de cinco horas consecutivas sabe da estranha sensação de solidão que sobrevém ao fim da maratona. A experiência (Erfahrung), ao contrário, é uma horizontalização das sensações, ela nos liga aos outros em uma espécie de dilatação do tempo. Experimente passar as mesmas cinco horas conversando apaixonadamente com sua namorada. Parece que se passou bem menos tempo e, mesmo depois que vocês se separam, a imagem da pessoa amada fica ainda presente em sua memória. A ausência se transforma na presença relembrada das palavras que ficam ressoando e, muitas vezes, nos leva ao impulso de compartilhar o que recebemos. Mesmo sozinha a pessoa não se sente só. Como ocorre quando escutamos uma boa piada ou uma história significativa, somos levados a partilhá-las com os outros, extraindo de seu relato o prazer adicional da transmissão.

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