sexta-feira, 13 de maio de 2011

Pensar as autonomias



Aconteceu no dia 12 de maio na Universidade Nacional Autonoma do México, Cidade do México, o lançamento do livro PENSAR LAS AUTONOMIAS. Feito por Bajo Tierra Ediciones foi elaborado e organizado pelo Coletivo Jovens em Resistência Alternativa.

Como eles mesmos definem, essa é uma modesta contribuição as reflexões e formas de fazer política pela autonomia. Esse mesmo grupo foi responsável por materiais como o livro de John Holloway “Mudar o mundo sem tomar o poder”, também de Raul Zibechi “Autonomias e emancipaciones – America Latina em movimiento”, e de Raquel Guitiérrez Aguillar “Los ritmos del Pachakuti”, entre outros.

Além de pessoas desse coletivo estiveram presentes e contribuiram com pertinentes questões sobre a autonomia, Luis Hernandez Navarro, Raquél Gutiérrez Aguilar, Benjamim Arditi e Raúl Zibechi (video conferência). Talvez se podemos dizer que existiu um eixo norteador de suas reflexões foi o fato de considerar a autonomia não como mais uma ideologia, mas como um processo sempre inacabado. A autonomia como estratégia. Um modo de considerar o fazer político em alternativa a hegemonia dos partidos e da ideia de tomar o poder estatal e as alianças com o capital para mudanças sociais. A autonomia entendida como uma categoria também relacional e como maneira de situar a luta política.

Pensar as autonomias, oferece trabalhos dentro de uma questão dinâmica e que não pretende responder em definitivo o que e como fazer para superar o capitalismo e o Estado. Trata de discutir a relação entre autonomia e emancipação em uma visão favorável a liberdade e a igualdade, não derrotista e não pessimista. É uma reflexão histórica, mas também contemporanea sobre o impossível e as possibilidades de potência e liberdade nos processos de lutas coletivas, sem desconsiderar o indivíduo, principalmente latinoamericanas. Encara também com honestidade suas limitações e contradições.

Possui um total de 14 artigos, praticamente inéditos, que se dividem em três partes. “O longo caminho das autonomias” oferece um agrupamento para uma panorama histórico das lutas sociais e perspectivas que buscaram e buscam alternativas nas lutas anticapitalistas e que não pretendem a tomada do Estado para essa transformação. “Antagonismos e contradições nas autonomias” caminha por uma análise das questões internas, de desafios e construções conceituais sobre a autonomia. “Mais adiante do capital e do Estado”, reflete sobre o impossível, as utopias do cotidiano, a autodeterminação e a insubordinação referentes a autonomia. São trabalhos que a todo instante lidam com a autonomia como uma forma de fazer política, a autonomia como diversidade, potência e possibilidade, a autonomia com prefiguração e a autonomia como horizonte emancipatório. São pensadores e ativistas de diferentes partes e como distintas atuações. Participam desse projeto Massimo Modonesi, Claudio Albetani, Francisco Lópes Bárcenas, Gilberto López y Rivas, Gustavo Esteva, Mabel Thwaites, Ezequiel Adamovsky, Raúl Zibechi, Hernán Ouviña, Benjamin Arditi, John Holloway, Sergio Tischler, Raquel Gutiérrez e Ana Esther Ceceña.

São temas atuais e que devem interessar a todos aqueles que buscam alternativas ao capitalismo e ao Estado e se debruçam sobre essas possibilidades de um outro mundo.

Podem entrar em contato por bajotierraediciones@gmail.com ou www.espora.org/jra

Abaixo segue o discurso de abertura (traduzido para o português) realizado durante o lançamento dessa “caixa de ferramentas críticas”.
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Razões para a autonomia
jóvenes en resistencia alternativa

Tradução de Alessandro Campos

Partimos da ideia de que é urgente pensar os caminhos contra e para depois do capitalismo; temos como premissa a urgência social e planetária frente ao ecocídio e a barbárie representada no sistema de guerra, do poder e do dinheiro em que vivemos. Em meio ao desastre global, nos últimos 20 anos tem surgido numerosas e diversas experiências de base, de autogestão, auto-regulação e auto-organização social da vida. Mesmo que as coletividade dos subalternos e subjulagados as chamem de muitas formas, em algumas ocasiões as definem como autonomias.

Esta forma de organização e ação social, como estratégia de mudança e emancipação, assim como forma de fazer política e como possibilidade embrionária de um mundo pós-capitalista, tem se confrontado em ocasiões polarizadas com a via canónica e dominante da mudança social: a organização em forma de partido, a tomado de poder e a reorganização social apartir do Estado.

Frente a conhecida tensão, todas e todos como jovens em resistência alternativa, definimos e escolhemos as autonomias devido a três razões.

A primeira delas mantém a tesi de que através dos partidos políticos dominantes como forma de realizar mudanças, é sustentar uma estratégia de imobilidade, inação e heteronomia; é deixar passar a profunda crise da representação e fazer pouco caso da crise do próprio Estado que não é apenas produto do neoliberalismo. Sustentar a via partidária hoje não pode ser, nem mesmo se quer, realista no sentido pragmático, e nos condena a fazer uma política de espectadores, a observar uma política pertencente a outros, a deles, a dos que estão acima. Sustentar a via partidária significa de fato centrar nossa atenção e nossa energia no que eles dizem, fazem ou não fazem de suas ideias, de suas alianças, suas opiniões e seus debates, se cuidam apenas do próprio umbigo ou se é pura verborragia. Nós frente a essa política dizemos NÃO. Não queremos orbitar e nem queremos depender da política deles, definida por eles.

Queremos uma política que nos faça sujeitos, que faça dos subjulgados sujeitos políticos, que questione as relações de dominação e exploração desde abaixo. Que não espere e sim atue, que não delegue e sim organize, que não se deixe guiar e sim que construa o próprio caminho. Por isso dizemos que a autonomia é uma forma de fazer política. Não é que pensamos que a classe política e o Estado sejam irrelevantes, mas sabemos com certeza que para eles, nós sim somos. Na autonomia como forma de fazer política ou se considera a constituição de novos sujeitos coletivos ou ainda teremos a dependência e a heteronomia das classes dominantes. Nós optamos pela autonomia.

A segunda razão pela qual sentimos afinidade a uma política de autodeterminação e autonomia se refere aos supostos limites da estratégia de mudança social, da revolução e a tomada do poder.

Hoje a estratégia insurrecionista parece não estar na moda. Apesar de que os levantamentos populares da Bolivia, Equador e Argentina falaram nesta década com a linguagem da rebeldia, da desobediência generalizada e cujo poder destituinte abriu e conduziu o caminho direta ou indiretamente para os Kirschnner, Correa e Morales. Hoje a estratégia insurrecionista não está na moda ainda que seja através dela que se rompa e desarticulam as ditaduras do Egito e Tunísia com a insurgencia civíl. Hoje está na moda tomar o poder através da democracia liberal representativa. Democracias que se bem sabe – ao menos na América Latina – custaram sangue, mortos e anos de luta, e que hoje se apresentam a nós como visão hegemônica da política, e do político como única forma de mudança social. Sustentar essa via, assim, secamente, sem matices e nem visão crítica, nada diz das profundas contradições da esquerda partidária e institucional e da democracia representativa.

Cala-se sobre as alianças da esquerda em todo o continente com o capital imobiliário e turístico que despeja vizinhos e comunidades do único bem que possuem em nome do mal chamado desenvolvimento; se cala frente as alianças da esquerda partidária pelo poder com a agroindustria, com a soja transgênica, com os produtores de etanol, supostamente justificados por sua utilidade para atrair capitais, mas que deixa uma esteira de destruição e devastação ambiental. Guarda-se cumplice silêncio com as esquerdas partidárias cujos níveis de corrupção e clientelismo são escandalosos. Nada se diz dos governos aliados ao capital extrativo que ao levarem o petróleo ou o ouro deixam somente morte e destruição as comunidades e seus povos.

Como a via insurrecionista não está na moda ou que tenhamos que esperar ciclos centenários por ela, nos dizem que o que resta – sem dúvida – é aceitar o que há, o caminho menos pior: aceitar a esquerda corrupta e sua perversa aliança com o capital para governar. Não há o que fazer, temos que aceitar a política como a arte do possível, parafraseando um dos assuntos desenvolvidos por Benjamín Arditi aqui presente no livro que hoje apresentamos.

Todas e todos novamente dizemos que NÃO. Necessitamos uma estratégia de luta que não está derrotada antes de começar. Uma estratégia que se fundamenta no horizonte pelo qual lutamos, sem separar os meios dos fins. Uma estratatégia que não se acomode ao possível, cuja definição e alcance sempre é ideológica, que não se conforme, que não se asfixie em si mesma, que não seja fatalmente pragmática, ou que submeta a mudança a um futuro incerto. Uma estratégia de luta que não apenas está baseada na eficácia das maiorias votantes, e menos ainda nos frios manejos das manobras para favorecer essa maioria e sua hegemonia.

Uma estratégia de luta que privilegia a auto-organização como ferramenta de libertação, que experimenta a auto-regulação como gestão coletiva do comum, que constrói auto-determinação desde abaixo para daí construir emancipação. Que privilegia a ação direta dos subalternos, que experimenta sua libertação cotidiana nos interstícios, na periferia da política dominante, onde não sem contradições, existe a possibilidade de impôr relações sociais alternativas ao mercado e também ao Estado. Não é que acreditamos que somente deste lugar, dos pequenos espaços sociais, se farão as mudanças maiores; tão pouco é que apostamos somente no pequeno e no local; menos ainda é uma vocação para a marginalidade que nos move. O que mais ou menos intuimos, sem dúvida, é que nenhuma luta por liberdade e emancipação trará frutos se não partir desses espaços e da auto-determinação dos subjulgados. Nenhuma luta e política alternativa para superar o capitalismo será possível se não mudarmos a nós mesmos para mudar o mundo, caso contrário surgem coletividades e uma humanidade distinta; e que seja digna e autonoma simultaneamente ao processo antagônico de luta, coincidindo com projetos que tem realizado Raquel Gutiérrez em vários de seus trabalhos.

Isso nos leva a última razão pela escolha das autonomias e a importância dessas experiências sociais desde abaixo que se constroem por todo o mundo e com especial profundidade e radicalidade na América Latina. Estas experiências assediadas, contraditórias, presas da repressão ou da cooptação não são apenas a possibilidade de fazer uma política autonoma ou mesmo de ser uma única estratégia de luta social alternativa a dominante. Estas práticas pré-figurativas, embrionárias, incipientes, são talvez as peças soltas de um quebra-cabeça disseminadas por todo mundo para superar o capitalismo.

As práticas autonomas, de auto-regulação e auto-determinação desde abaixo são quem sabe, os fios para tecer um emaranhado social pós-capitalista. Cada fio de maneira separada aparentemente é uma alternativa local e focalizada; mas se as reunirmos podem ser um sistema alternativo democrático de gestão coletiva, de redes de produção, criação e autogestão da vida e dos mecanismos organizados de gestão dos bens comuns. Sinaliza desde sua particularidade um programa de programas, um sistema de alternativas. Todas estas práticas entrelaçadas indicam possivelmente a forma, funcionamento, organização, mecanismos, dispositivos e modos de relação social de um possível sistema pós-capitalista.

Estas autonomias são pré-figurativas: vislubram e praticam hoje as formas que substituirão as relações de domínio e exploração. Critica a estratégia de mudança social que se retarda para o amanhã – depois da tomada do poder – e radicaliza a estratégia de REVOLUÇÃO HOJE, considerando que é desde agora que funcionam e podem operar relações humanas alternativas fora da lógica estatal e do capital, formas que pré-figuram desde já um outro mundo.

Estas autonomias são nosso horizonte emancipatório: aquilo que permite discutir e imaginar apartir das práticas e potências existentes hoje uma mudança radical das formas de produção, distribuição e consumo, assim como uma mudança radical das formas de tomar decisões sobre o comum. Que permite visualizar um mundo de redes de coletividades autorreguladas, um tecido de autodeterminações, federações de autonomias livres do capital em relação simbiótica com o mundo não humano, mas também livres das formas de dominação, opressão, centralização, homogeneização e monopolização estatais.

Sustentamos que mais adiante das posições sobre os ritmos, situações, particularidades e diversidades das formas de mudança social, estas experimentações da reorganização social devem se construir, se multiplicar, se fortalecer e se entrelaçar antes da tomada do poder, seja através da via inssurrecionista ou eleitoral, e devem ser a base de uma gestão coletiva alternativa generalizada, independente de tomar ou não o poder.

Em resumo, a autonomia como forma de fazer política, como estratégia de luta e como horizonte emancipatório são três elementos coordenados de nossa própria definição de fazer política.

Por essas três intuições e definições é que surge PENSAR AS AUTONOMIAS. Porque temos mais dúvidas e perguntas que certezas. Temos muitas perguntas sobre estes processos sociais chamados autonomias. Como fazer para que durem? Como fazer para que cresça? Como fazer para não sucumbir e desintegrar frente a erosão do mercado? Como fazer para que sobrevivam frente ao controle, cooptação e repressão do Estado? Como fazer para que não sejam apenas experiências focalizadas e sim alternativas generalizadas? Como enfrentar suas contradições e seus limites? Como articulá-las entre si? Como lutar desde abaixo, partindo do local, do diverso e do múltiplo contra as formas centrais, hegemônicas e dominantes do Estado e do capital?

Resolver esses nós e muitos outros (como os denomina Ana Esther Ceceña em seu artigo) é uma tarefa titanica. PENSAR AS AUTONOMIAS é apenas uma pequena e modesta contribuição baseada em três eixos de novas perguntas: o que tem pensado os teóricos e as lutas sociais sobre a autonomia como potência, possibilidade e horizonte emancipatório no passado? O que se reflexiona hoje sobre os limites e contradições dessas autonomias em funcionamento? O que se elabora e reflete sobre as possíveis saídas do capitalismo?

Para nós, as autonomias são somente possibilidades abertas. Uma potência para construir um outro mundo que dizemos ser possível. PENSAR AS AUTONOMIAS nasceu para nos preencher de possibilidades, de potências, de alternativas e em especial de novas perguntas. A luta por liberdade e emancipação estará sempre repleta delas. Pensar as autonomias é apenas uma caixa de ferramentas para pensar esse outro mundo pelo qual lutamos, aqui, agora e sempre.

Muito obrigado.
jóvenes en resistencia alternativa
Maio de 2011.

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