quinta-feira, 16 de junho de 2011

Entrevista para o blog Americalatindo

Esses dias fizemos uma pequena entrevista para o blog Americalatindo. Confira.


un brasileño en méxico: alessandro campos.


tu poderia ter ido pra Paris ou Afeganistão: por que méxico?

1- Pois é... o fato é que pensava em conhecer o México a bastante tempo. Talvez a uns 7 ou 8 anos. A gente já ouviu falar um bocado das lutas sociais por aqui, da diversidade cultural, do tanto que é parecido com o Brasil, dos contrastes sociais, da arte, do zapatismos, da APPO, etc. Felizmente, apesar de todo sufoco que foi, pude conhecer lugares como o Japão (que é um outro contexto), alguns países europeus, Canadá, Estados Unidos, e sem ser simplista e generalista, mas sendo, não sei o que esses lugares têm mais a oferecer enquanto referencia na maneira de viver, enquanto organização social e intersubjetividade para sermos felizes. O que os Estados Unidos ou a Inglaterra podem ensinar no que diz respeito a felicidade ao mundo? A dívida desses países com os chamados “subdesenvolvidos” é gigantesca! Claro que todo lugar tem seu encanto e sempre encontraremos pessoas interessantes e outras bem “pendejas”... E não estou falando que as pessoas que vivem nesses lugares não querem ser felizes, sem dúvida que querem! Mas acho que já deu ter esses lugares como modelo para serem seguidos ou invejados. As comparações hoje precisam ser feitas de outro modo, não mais como eles sendo “bons” e nós “tentando ser”. Fiquei também em um certo conflito de ir para o continente africano, Moçambique ou Etiópia, mas estou convencido que as experiências políticas e sociais latino americanas das últimas duas décadas estão cheias de inspirações e forças para nos ajudar a pensar nas mudanças que queremos e sentimos ser necessárias. Em parte por sua necessidade em manter o lugar da ancestralidade nos dias atuais. Nada tem com a manutenção da identidade, mas simultaneamente com um simbolismo e uma objetividade que se aceita, luta com suas contradições, que quer uma outra realidade. Uma ancestralidade que nunca morreu e que pulsa cada vez mais para quem pode e quer ouvir e ver. Não se trata de ser melhor ou pior, menos ainda idealista ou ingênuo, mas de um reconhecimento e uma luta por autonomia que não tem volta. Estamos falando de pelo menos 500 anos de luta e combates que chegaram ao ponto alto. Agora não há mais nada a perder e nenhum desejo de pertencer às coisas que não nos dizem respeito. Ya basta! Uma parte do povo mexicano se dá conta cada vez mais que não há nada a perder e tudo a ganhar. Evidente que sempre existem pessoas se rebelando, veja a Espanha recentemente e a Grécia nos 2 últimos anos. Isso é ótimo e merece nossa atenção, respeito e apoio. Porém acredito que se alguma coisa interessante, e que me inspira a participar, vai acontecer (e já esta acontecendo!) vai ser no território que está entre o Brasil e o México, não na Suiça ou na Inglaterra.


AUTONOMIA! que porra é essa meu chapa?

2- Esse negócio de autonomia é bem maluco mesmo. rs Mas vamos encará-la de duas maneiras: uma talvez histórica e outra um pouco mais filosófica. Historicamente conhecemos 3 formas de entender o que é isso. Primeiro pela dimensão individual, a emancipação daquele que se autogoverna e entra em conflito com as idéias pré-determinadas na maneira de viver em sociedade, por exemplo, o questionamento de que o Estado é imprescindível para a coletividade. Segundo, entender como um regime e regras de autodeterminação, ligada a um território, como por exemplo, a luta de muitos povos indigenas a respeito de suas culturas, línguas, costumes, etc. E em terceiro, aquilo que parte das reflexões de um esquerda mais radical. Sujeitos e coletivos revolucionários que podemos identificar germinando na luta anarquista que se dá desde o fim do século XIX, passando pelos anos 60 e inúmeras experiências tanto na Europa (Socialismo ou Barbárie, Maio de 68, Primavera de Praga, Provos, etc) como Estados Unidos (Hippies, movimento feminista, anarcosindicalismo, movimento indigena, etc) em maior visibilidade, e que chega hoje pelos zapatistas em Chiapas e o movimento de resistência global. Quanto a perspectiva filosófica poderia fazer uma analogia ao mito da caverna de Platão. Estamos tão acostumados a viver uma realidade emprestado e imposta que nem nos damos conta que outras possibilidades são possíveis. Temos que estar atentos apenas para saber que uma certa imprevisibilidade é inevitável, que uma angústia pela dúvida sempre irá nos acompanhar. A autonomia não é um projeto fechado, uma verdade absoluta, algo que se implanta como uma constituição ou uma lei, mas um processo contínuo, um caminho sem fim, uma experiência que será sempre inacabada. O que é curioso é seu caráter democrático por excelência, o interesse em todas as vozes que fazem parte de seu contexto, a consciência que vai se construindo ao se responsabilizar por sua própria vida e desejos, sem delegar, sem impor. Não existe a última palavra sobre nenhum assunto, mas acordos livres entre pessoas com interesses compartilhados, logo é uma possibilidade concreta de inventar e experimentar outras possibilidades de nos relacionar. Não é algo simples, é trabalhoso, demanda tempo e novas aprendizagens, não se lê num livro e se aplica com alguma regra cartesiana. É um enfrentamento não apenas das limitações coletivas, dos vícios políticos que podemos ter, mas um combate dentro de cada um para se reconciliar com as contradições e a superação dos pequenos autoritarismo que as vezes carregamos dentro de nós.


mezcal, tequila ou pulque?

3 - Ora! Os três! Tratemos apenas de saber o que é prioridade e seu devido contexto. Não se deve misturá-los, afinal, como disse o poeta, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Mas considerando o atual momento e os riscos de desaparecimento mais eminente, um pulque não vai nada mal.


como você sente as relações entre os habitantes da terra do pau-brasil e da América hispânica?

4- Impressiona como conhecemos pouco os hermanos! Quem escutamos nos últimos tempos? Shakira e Rick Martin? Deus! O Chavez e o Kiko são os melhores representantes da cultura mexicana pra nós! Virgem Maria Mãe do Céu! Sim, a coisa esta feia pra gente. Uma vez escutei de um chileno algo sobre o “imperialismo brasileiro” na América do Sul. Acho que de certo modo ele está certo, afinal com explicar essa ignorância se estamos tão perto? Claro que existem questões linguisticas e territoriais a serem consideradas, mas não podem ser justificativas para isso. Porém, de outro modo continuamos sendo essa gente que ao se deparar com o diferente nos cresce a curiosidade e gostamos de receber bem esse povo que fala essa língua enrolada... Em muitos aspectos a experiência latino nos aproxima, nos faz mais semelhantes do que imaginamos. Temos dores parecidas, desigualdades idem, com um bando de gente ferrada e explorada com elites que idolatram a gringolandia. Talvez também sejamos antropofágicos por vocação e tudo aquilo que tentam implantar por essa América Latina a gente subverte e reinventa.


como você traduziria o Japão pra um sertanejo?

5- Meu amigo, o Japão é longe pra caramba! Esta além mar, depois além terra, e outro mar. É um povo que tem o olho bem fechadinho, que falam baixo, são muito educados e comem usando dois pauzinhos. A natureza é linda! Não fazem muito barulho, dificilmente falam o que pensam, demoram pra confiar, mas tem um grande espírito de gratidão e sempre rezam aos ancestrais. Quase tudo lá é muito organizado, limpo e com muitas embalagens. O biscoito tá dentro de um saquinho, que tá dentro de outro saquinho maior com os outros biscoitos, e esses biscoitos todos embrulhados dentro de um saco maior ainda, ou seja, três embalagens pra proteger uma bolachinha! É um tal de dizer “irashaimasse” (bem-vindo) em tudo que é lugar que você demora pra acostumar, mas acostuma! Também vai ser a laranja ou melancia mais cara que você vai comer na sua vida. Nem vou falar quanto, mas uma melancia pode custar mais que a sua feira inteira! Eles escrevem fazendo uns desenhos que são chamados de ideogramas, professor lá é muito respeitado e a gente não entende nada do que eles falam. Lá que nem aqui, tem gente muito honesta e tem gente que faz um monte de sacanagens, principalmente quando não tem ninguém olhando... Tudo é pequeno e não há muito espaço pras coisas e de tempos em tempos tem terremoto e furacão. É um lugar legal de conhecer, mas vá sem terremoto e nem furacão.


crianças, velhos & loucos. fala aí um pouco da tua percepção sobre estas figuras arquetípicas tão marginalizadas em nosso tempo.

6- Caramba meu velho! Tu tá querendo uma tese! Rs Mas vamos lá. O que penso sobre isso poderia se resumir na idéia de acúmulo de sujeição. O que diabos é isso? É quando você não satisfeito em rotular alguém com um adjetivo, vai criando e justificando outros mais para essa mesma pessoa. Poderíamos também falar em algo parecido com “acúmulo de preconceitos”. A diferença talvez seja o fato de naturalizarmos isso de um modo bem particular nessas três figuras que você citou. As crianças. No fundo elas me parecem um tipo de mágica. Ninguém sabe de onde vem e nem o que vai dar, mas estão aí pra contrariar quase tudo que a gente pensa. Esse processo de se humanizar é que vai fazer toda diferença. Não acredito que nascemos humanos, mas com uma possibilidade de isso acontecer. Com o tempo, nos encontros com o mundo e a sociedade, e então vamos nos humanizando. E cabe a quem chegou aqui primeiro tentar fazer desse lugar um espaço interessante pra essas criaturinhas. O problema é que quem já está aqui muitas vezes acha que já sabe como é o mundo e como tudo tem que ser, então, transforma essas pessoinhas em completos imbecis, olham como se elas fossem estúpidas, sem individualidade, sem autonomia, com quase nada de direitos e deveres. Isso quando não as transformam em verdadeiros tiranos! Crianças são pessoas, diferentes, mas pessoas e as vezes parecemos esquecer isso. Com os velhos já há uma inversão. Dependendo de onde, são vistos como um problema porque não são mais produtivos, ocupam espaço e tempo dos que estão por perto. E não são raras as vezes que as infantilizamos como se não fossem mais capazes de pensar ou decidir por si mesmos. Quando no fundo são eles que melhor podem nos ajudar com algumas mudanças e na não repetição dos erros por questões da experiência. Mas eles não são apenas um tipo de guardiões da memória, são pessoas que também acreditam na vida agora, com necessidades imediatas, com desejos iguais a todos os outros. Essa coisa de “aposentado” por exemplo, as vezes enche o saco. Explico. Aposentado, como aquele que vai para o aposento, ficar no quarto e lá deve ser esquecido, ou como dizem, “descansando”... E pra justificar isso chamam-na de “a melhor idade”. Tá de sacanagem! Claro que podemos envelhecer bem, estarmos satisfeitos e sermos felizes com isso tudo, com as condições e características da velhice, mas dizer que alguém com 75 anos está vivendo a melhor idade não me parece muito sincero. Não dá pra generalizar, sabe? Alguém pode decidir conhecer o mundo com uma mochila nas costas a qualquer momento, mas é diferente quando se tem 80 anos e quando se tem 30. Agora com os loucos é um pouco de tudo isso e algo mais. A experiência da loucura é única, de um modo geral é dolorosa e não tem nada de romântico nesse lugar. O que não dá também é dizer que por isso temos que trancar, manter longe e tudo mais. O louco pra mim é onde mais se encontra esse acúmulo de sujeição que falei. E se for pobre, negra e mulher, nem se fala! Quase sentença de morte. Então é retirar toda idéia de romantismo que pode existir na figura mítica do louco e seus delírios, e saber que muitas vezes é alguém que vive um momento particular, que pode durar pouco ou muito tempo, e ter essa pessoa totalmente dentro do processo que a faz o principal protagonista dessa experiência. Igualmente se trata de uma discussão sobre autonomia, direitos e possibilidades. Certa vez um (anti)psiquiatra chamado R. Lang disse algo interessante sobre isso. Dizia ele que "Para ser louco não é necessário ou obrigatório estar doente, embora em nossa cultura as duas categorias se confundam." Pra mim são todas experiência que podemos viver, estamos todos sujeitos a infância, a velhice e a loucura, mas temos que saber que nada deve ser visto como experiências piores dos que as ditas normais e eternas. Muita gente já cresceu e não soube o que era a infância com dignidade, outros morreram antes da velhice e tem muito maluco por aí pensando que não é.


Maíra Castanheiro: o que eu queria saber é o seguinte: esses movimentos sociais da América latina de hoje têm força suficiente para produzir uma transformação revolucionária na sociedade?

7- Querida Maíra! Então, é como falei na primeira questão. Acho que algo está sim acontecendo por aqui, mas revolução? Não sei. Bom, dentro de mim e de um monte de gente sempre existe o desejo disso e as idéias revolucionárias sempre me animaram. Mas quando falamos de sociedade o buraco é mais embaixo. Acho que as micro-revoluções estão mais presentes e possíveis nos dias de hoje. A coisa é fazer com que elas se espalhem e se alastrem por todos lugares possíveis. Porém atenção com essa coisa de revoluções no cotidiano, nos indivíduos e em suas particularidades. Sem mudança estrutural isso tudo pode virar pura especulação ou punhetação da classe média tentando se livrar da culpa diante da luta de classes. Os movimentos sociais possuem um papel muito forte nisso tudo!Porém elas precisam vir juntas, mudanças estruturais nas condições materiais coletivas e aquilo que está dentro de todos nós. Sinto que vivemos um refluxo nos dois sentidos. Coletivamente são poucos os lugares que oferecem uma mudança concreta das organizações políticas e sociais, e menos ainda em pessoas dispostas a abrir mão das verdades individuais e seus pequenos privilégios. Entretanto, sempre existiram resistências e bons combates. Vivemos um momento intenso das resistências coletivas. Quanto as particularidades dos indivíduos, o bom combate é mais que urgente, é imprescindível e ser crítico sem ser fatalista está cada vez mais difícil. Quando e onde ele acontece? Agora mesmo, dentro de nós.

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