domingo, 11 de setembro de 2011

LUTO

(por Clasher, centroavante do Autônomos FC e goleador nos campos da vida e da morte)

Nas idas e vindas da minha adolescência, conheci o movimento punk. Com uns 13, 14 anos, me interessei pela música, pelas idéias, pela arte, pela atitude daquele movimento que falava muita coisa que eu também pensava e queria falar, mas não sabia como. A internet já existia mas não era nem popularizada, nem potente como é hoje. Eu mesmo não tinha internet em casa até fins de 2004. Lá pra 2001, 2002, então, nem sonhava com isso. Assim, fui para as ruas. Primeiro alguns concertos de bandas punk, outras não tão punks assim. Vi Inocentes, Cólera, Ratos de Porão, Olho Seco, Lobotomia, Armagedom, Execradores e outras bandas que prefiro não citar. Ia no Hangar, ficar bêbado na porta, arrumar confusão, pixar, fazer merda. Ia no Chamegos, lá na zona norte, no Edu Chaves. Ia no Penha Rock Bar, ia pra Augusta e pro Centro. Ia no Greguejé, em Interlagos. Depois comecei a participar de grupos mais sérios, com posturas mais politizadas, parei de fazer tanta merda, comecei a ler com mais frequência, estudar, comecei a dar valor para outras coisas que não fossem só a porra-louquice da vida.

Numa madrugada de 2004, tocou meu celular. Eram umas 3 e pouco, 4 da madrugada. Uma voz forte pergunta “alô, Clasher?”, esse foi o apelido que ganhei dos punks. Eu respondi positivamente. “É você quem mora perto do Borba Gato?”, veio a pergunta, antes de qualquer apresentação. Sim, mas quem é você? “É o Johni, a gente se conheceu no som de ‘não-sei-quem, não-sei-onde’. Então, eu tava aqui pensando em explodir o Borba Gato (estátua em homenagem ao famoso bandeirante, localizada na avenida Santo Amaro)”. Eu, passava ali na frente todos os dias e nunca tinha me dado conta do que aquela estátua representava. E Johni discorreu que os bandeirantes eram assassinos de índios, genocidas, que mataram povos indígenas de forma sistemática, assim como os nazistas mataram judeus e poloneses, e que algo devia ser feito para desmistificar aquele símbolo. Achei a idéia muito boa e até bolei alguns planos para realizar essa explosão, ou no mínimo cobrir a cabeça do bandeirante com um saco preto. Li manuais de desobediência civil, de terrorismo poético e o caralho a quatro, mas, obviamente, não explodimos e nem ensacamos nada.

Sempre via o Johni em tudo quanto fosse evento, concerto, ato público ou qualquer coisa com a presença dos punks. A gente sempre tomava uma maria-mole e trocava uma idéia, mas depois ele se juntava com os dele e eu, com os meus.

Em 2007, fomos presos juntos, em uma manifestação contra o G-8 na Paulista, em que ele quebrou, com razão, os vidros de um banco e de uma lanchonete. Na verdade, mais de 200 pessoas foram presas nesse dia, mas ele foi o que mais sofreu. Apanhou muito na salinha especial da delegacia, foi acusado de portar armas brancas, o que era mentira, pois Johni, ainda que briguento, não andava armado, e acabou indo parar em uma espécie de sanatório, condenado. Saiu de lá muito estranho. Não reconhecia ninguém, não lembrava de coisas que falava ou que tinha feito. Não sei dizer o porquê, mas todos notaram uma mudança nele. Uso de drogas psiquiátricas? Espancamentos? Não sei, não duvido de nada.

O que sei é que no último sábado, ele foi assassinado a facadas por um integrante de uma gangue neonazista e todos os sonhos, idéias e um universo riquíssimo que levava em si, se perderam. O mais triste de toda essa história, para mim, é o fato de que Johni caiu com todos os seus defeitos e um coração grandioso. E, enquanto isso, o Borba Gato segue em pé, com status de herói, observando com orgulho o estrago que fez por essas terras.

Johni, onde quer que você esteja, lembre-se desses princípios:

1 – Libertar sua mente da desinformação da mídia corporativa, dos dogmas religiosos e das verdades oficiais;

2 – Libertar seu corpo da escravidão moderna e dos grilhões impostos pelo estado e pelo mundo corporativo;

3 – Dedicar sua vida ao fortalecimento da sua comunidade, que seja um lugar livre, com igualdade de direitos, deveres e oportunidades.

E viva a Anarquia!

--
Autônomos&Autônomas FC - A na Bola
Um sentimento que não se vende!
www.autonomosfc.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário