O sobradinho vermelho no número 702 da Rua Wanderley, em Perdizes, passa quase desapercebido entre as construções vizinhas, de arquitetura semelhante. Tal condição talvez diga muito sobre as atividades que aconteciam lá dentro. Naquele espaço, funcionou até 3 de junho de 2011 a Casa do Saci, que envolve empreendimentos de geração de renda criado por trabalhadores e usuários do sistema de saúde mental e que oferece a possibilidade de transpor a barreira entre o isolamento provocado pela doença e o convívio em sociedade.
O Saci integra a Associação Vida em Ação (AVA), fundada em 2004 no contexto das discussões sobre o Fórum Paulista da Luta Antimanicomial, movimento cuja principal bandeira é o fim dos hospitais psiquiátricos. Fixou-se na Wanderley em 13 de março de 2010, onde funcionavam o Bar Saci, a Lojinha do Saci, a Livraria Louca Sabedoria e a sede da AVA.
Ao todo, 12 trabalhadores do Bar dividiam-se nas tarefas da casa, seguindo os princípios da economia solidaria, isto é, autogestionada, com a produção centrada no bem-estar dos trabalhadores. Ao final de cada mês, o excedente monetário era calculado da maneira mais simples, com uma conta de subtração entre gastos e ganhos. “O que sobrava a gente dividia igual para todo mundo, de acordo com as horas trabalhadas”, conta Marilia Capponi, psicóloga e uma das coordenadoras do Saci.
Um dos trabalhadores mais antigo do projeto, Didous Danilevicz defende a importância do Saci como uma “ponte” entre a internação em hospitais psiquiátricos e “o mundo”: “Aqui a
gente pode errar. Lá fora, não”.
A maior fonte de renda da casa era o Bar do Saci, “um bar como qualquer outro”, conta Camila Miranda. E, como qualquer estabelecimento, sofreu com os altos e baixos do público. “O Saci era cheio no começo e aos poucos esse movimento foi caindo”, lamenta. À queda do faturamento, somaram-se as reclamações dos vizinhos, com queixas da música alta e do movimento na rua. “A casa antes era ocupada por estudantes e músicos, que faziam muito barulho. Então eles [os vizinhos] já vieram com preconceito, nem quiseram saber o que a gente era”, explica Marilia. Ela se recorda de um café promovido pelo coletivo a fim de apresentar a casa aos moradores da Wanderley: “Simplesmente não foram, olhavam a gente com repulsa”. Os dois vizinhos mais próximos foram procurados pela reportagem. Um deles não atendeu à campainha e o outro disse que o dono da casa não estava. A pressão dos vizinhos se reverteu no preço do aluguel. De acordo com Capponi, a proprietária do imóvel Maria Lopes da Silva não queria mais reclamações, aumentando o
valor da locação de 1200 para 2000 reais. “A gente chorou e foi para 1800”, conta. Marcos Fincati, advogado da locadora, disse que ela agora pede R$ 2300 pelo imóvel, devido à valorização do bairro. Ele não quis dar mais informações sobre a cliente, nem o contato dela. A conta do Saci não fechava mais e no final não sobrava dinheiro para pagar os trabalhadores. “Como podíamos permanecer num projeto de geração de trabalho sem gerar renda para os trabalhadores? Vai contra o principio lógico”, desabafa Marilia.
Além do espaço de confraternização, muitos também perderam grande parte de sua fonte de renda. É o caso de Risonete Costa, mãe de uma garota de 13 anos e afastada de uma multinacional devido a seu sofrimento psíquico grave. Esforçou-se para voltar ao antigo emprego, mas não conseguiu se adaptar. “No Saci eu consigo trabalhar e conviver com as pessoas, sem estar presa a um projeto dentro do CAPS ou em um hospital”, diz.
A Casa do Saci se despediu da Wanderley no dia 3 de junho de 2011, numa festa com 150 pessoas. Dentre os convidados, os frequentadores de sempre: jovens, militantes do movimento antimanicomial, estudantes de psicologia e usuários do sistema de saúde. Todos juntos, dividindo os cinco cômodos do sobradinho, sem as fronteiras que dariam margem ao preconceito.
A festa acabou e, agora, o Saci se equilibra do jeito que dá: seus pertences estão guardados nas casas de alguns trabalhadores e a maior parte está em Box pago pelo Sindicato Paulista de Psicologia. Às terças-feiras, o ex-vizinho Instituto Sedes Sapientiae (esquina da Wanderley com a Ministro Godoi) sedia provisoriamente as reuniões do grupo, enquanto o coletivo procura outro espaço.
SÃO PAULO, no Estadão - O técnico em iluminação Denivaldo Pereira da Silva teve sentença favorável contra o diretor e ator Wolf Maia proferida na última sexta-feira, 2, pela 2ª Vara Criminal de Campinas. Maia foi condenado por injúria racial e sua pena é o pagamento de 20 salários mínimos mais prestação de serviços comunitários por cerca de dois anos.
TV Globo/Divulgação
Ator e diretor Wolf Maia
Denivaldo trabalhava em uma empresa terceirizada em colaboração com a equipe de Wolf Maia na peça "Relax...It's sex...", quando o canhoneiro de luz faltou, conta o advogado de defesa Sinvaldo José Firmo.
Após o término do espetáculo, Maia teria feito uma reunião com todos que trabalharam na peça, com críticas aos que trabalharam na ocasião. Maia teria dito: "...o som é uma merda, a iluminadora não tem sensibilidade e ainda me colocaram um preto fedorento que saiu do esgoto com Mal de Parkinson, para operar o canhão de luz...", segundo a sentença.
O advogado de Maia, João Carlos de Lima Junior, disse que já recorreu da decisão e agora apela ao Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo. "Com certeza a decisão será revertida no Tribunal", disse Lima Junior. Ele afirmou ainda que seu cliente é uma pessoa pública, amplamente conhecida pela sociedade em mais de 30 anos de vida pública e "jamais faria uma coisa dessas."
A peça foi encenada em 2000, em Campinas. Em um primeiro momento, a 6º Vara Cível da cidade julgou improcedente o caso, por considerar não haver provas suficientes. A defesa de Denivaldo apelou ao TJ que, em 2004, determinou que o juiz aceitasse a denúncia.
De acordo com o advogado de defesa de Denivaldo, o técnico não conseguiu emprego na área depois do ocorrido e precisou passar por tratamento psicológico. "Ninguém mais queria contratá-lo porque ele estava mexendo com uma pessoa famosa. Ele ficou muito mal". "A justiça foi feita", concluiu.
Juro que estou tentando escrever só sobre o azul do céu e o verde do mar, mas tá difícil. O último texto desse blog falou sobre uma imagem dos protestos no Chile contra a reforma educativa que privatizará todo sistema público de educação e a precarização dos trabalhadores em diferentes setores. A foto era de um policial agarrando pelo colarinho um garoto que deve ter no máximo 14 anos. A imagem é chocante em parte porque deixa claro a relação de forças e o modo de lidar com o tema. A foto continua aqui na sequência... Tinha dito que infelizmente não seria a última vez que veriamos isso acontecer. Pois bem, tragicamente hoje um garoto de 14 anos foi assassinado pela polícia nas marchas que se seguem em Macul. Um estudante exatamente como o da foto abaixo (e que poderia ser o próprio!), era um jovem que não tinha como reagir nem se defender dessa máquina de guerra e que foi trucidado com um tiro no peito. Outra vez a pergunta: como justificar a morte de um adolescente pelas mãos de alguém treinado pelo Estado para matar? O fato foi no Chile, mas poderia ser em qualquer cidade latina, onde a juventude é vista com desconfiança e sua simples presença é motivo de agressão por parte do aparato policial do Estado. A população que mais morre pelas mãos da policia paulista é exatamente a que tem entre 14 e 25 anos. Uma média oficial, e não esclarecidas, de 2 por dia. Na grande maioria homens negros e pobres. Certa vez me chamaram de tendencioso. Passado alguns anos desde esse dia eu tenho que confirmar que sou mesmo. Para muitas coisas nessa vida não existem imparcialidades, neutro é algo impossível. Em se falando de justiça, direito e deveres a coisa não é diferente. Neutralidade é um engodo que serve apenas para disfarçar os privilégios de quem normalmente fala isso, que devemos ser neutros, diga-se, indiferentes. No cenário político a coisa é mais que evidente. Eu simplesmente não confio em gente que diz que "política, futebol e religião não se discute". A coisa é tão tensa nesses três cenários que enquanto o alienado diz que essas são coisas que não se debatem, vai deixando sua vida, e das pessoas a sua volta, serem ditadas por "pseudos" representantes destes espaços. Política. Tudo é política! Desde o preço do pãozinho, a reunião do condomínio, a cachaça no Seu Zé, até os salários dos canalhas que dizem te representar no congresso. Futebol. Já dizia alguém que esse é o verdadeiro ópio do povo, mas eu tenho lá minhas divergências sobre isso. O fato é que futebol e política há muito tempo estão de mãos dadas. E no que diz respeito a elite do esporte, a coisa esta cada vez mais chata, previsível e plastificada. A várzea é muito mais emocionante que a seleção e nem te custa tanto. Religião. Reza a lenda que o Estado é laico, mas queria eu entender por exemplo, porque quando falamos de temas de saúde pública - sim, esses são temas de saúde caso você nunca tenha se dado conta - , como por exemplo aborto, violência doméstica, discriminalização das drogas, reconhecimento de união homoafetivas, um monte de gente evoca Deus para justificar a própria ignorância e preconceitos sobre o assunto? Enquanto isso, continue mesmo pensando que essas são coisas que não se discutem, que não merecem nossa atenção, que são coisas de gente chata e siga acreditando em toda pataquada que o deputado diz, que os cartolas organizam e na promessa do pastor, padre, pai de santo, de que um dia Jesus intercederá por você. Continue mesmo lendo Veja, Época, etc. para se "informar", assistindo o Jornal Nacional ou da Record para "saber" o que acontece no mundo, pensando que o Datena é um grande comunicador preocupado com o povo brasileiro, defendendo a "Rota na rua!", a votar nas próximas eleições e que esse é seu grande exercício de cidadania, e por aí vamos. Confie em mim, eles adoram todos acreditando nisso. Está certo que muita gente que eu gostaria de discutir isso não vai nem chegar perto desse blog, mas tá dito e registrado.
O povo do Chile está em luta. Faz alguns meses que os protestos se intensificaram contra as reformas trabalhistas e principalmente a tentativa de privatização do sistema de educação do país. Mas uma vez - e infelizmente não será a última - a resposta do governo, das forças armadas, da polícia e da canalha! Capa de hoje do jornal La Jornada, México. Uma imagem, mil palavras. Talvez a primeira delas: covardia.
Desde tu partida
esta parte del cielo
está vácia de estrellas
de vez en cuando asoma una
si la miro parece brillar más
y pienso que tal vez allá
es la misma que tú miras
Existem dias que a vagabundagem é enorme. Geralmente nesses momentos a gente se depara com umas coisas bem raras. Estão ai dois vídeos que fazem parte disso. É pra rir e morrer com a vergonha alheia. Sem comentários!
Escutei essa frase na quinta-feira no discurso de abertura de uma exposição fotográfica de um mexicano sobre São Paulo no museu Diego Rivera, na Cidade do México. Segundo ele, que tinha vivido quase 6 anos no Brasil, a terra tupiniquim não é latina. Foi a segunda frase que pronunciou. A primeira era da necessidade de aproximar São Paulo da Cidade do México. Queria ter perguntado a ele: você se garante?
Estava com alguns amigos, entre eles meu cumpradre Nuno, historiador cearense que vive um tempo por aqui também, e quando escutamos isso nos entreolhamos e pensamos: “ouvi direito o que ele falou?!” Sim, o fotógrafo afirmava, sem dizer como chegou a essa conclusão, que o Brasil não faz parte da América Latina.
A exposição foi inaugurada e passamos a olhar as fotos. Eu, paulistano de alma, entrei desconfiado. Afinal, depois de falar isso do Brasil o que poderia vir seria uma surpresa. As fotos são mesmo muito bonitas e ele faz um bom recorte da realidade de São Paulo. Estão lá imagens da ocupação Prestes Maia, do Banespa, da Luz, do Minhocão, dos condomínios de luxo do Morumbi, as ruas da Brasilândia, dos guaranis na zona sul, e de gente anônima nas muitas ruas da cidade. Foi divertido contar algumas histórias que vivi e que conheço desses lugares para os amigos que me acompanhavam. Não está mal, mas essa história de não ser latino...
Meu camarada Nuno foi o primeiro a escaldar o sujeito.
“Cara, como assim o Brasil não é América Latina?”
A resposta foi mais ou menos essa:
“Não é não. Primeiro que vocês não escutam rock espanhol. Depois a comida não tem nada que ver. Olha a Colombia e a Venezuela por exemplo, elas sim se parecem”.
“Cuméqueé?” Respondeu Nuno.
A gente ficou um tempo pensando sobre a maneira de entender o motivo do Brasil não ser latino pela visão do rapaz enquanto desfrutávamos do goró servido nessas ocasiões. Achava importante entender isso um pouco melhor. Fui eu escaldar um pouco também.
- Meu, as fotos estão boas.
- Você gostou? Te parece mesmo o que está lá?
- Sim, gostei das fotos da Prestes Maia e do centrão. Conheço muito bem esses lugares. Mas vem cá, como é isso pra você do Brasil não ser latino?
-Eu acho que não é! Vocês escutam outra música, comem outras coisas. Portugal e Espanha não tem nada a ver. E olha os negros no Brasil e nos outros lugares...
Então, trim, trim, trim... o telefone dele toca e ele vai atender. Não volta. E eu ali de boca aberta pensando principalmente na ultima coisa que ele falou. “Os negros o quê?!” Parece que o rapaz comete dois erros muito comuns ao pensar a questão latino americana; que é o fato de que latino é “hablante” de espanhol, e o segundo erro, o da colonização. Esclarecendo então: América Latina é nesse sentido primeiramente uma construção geo-sócio-política. Mesmo com a diferença linguística entre espanhol e português (mas ambas são românicas) compartilhamos o mesmo processo em relação a construção desse território no continente americano, particularmente no último século. Em outras palavras, os gringos sempre trataram de nos foder igual! Se não leu leia “As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano. Tá bem explicadinho. Os povos originários e seus idiomas sempre receberam tratamento parecido de seus colonizadores: repressão e extinção.
Isso nos leva ao outro ponto, e vou tomar o caso dos negros, questão misteriosamente surgida no exemplo do fotógrafo. O que muda no fundo é o processo de aculturação e construção do preconceito, porém todos compartilham de partida a mesma coisa: chegaram aqui raptados e para serem escravos. Até agora não aconteceram reparações adequadas ou reconhecimentos históricos e subjetivos sobre isso em nenhum lugar da América Latina. Estão os negros brasileiros, colombianos, hondurenhos e mexicanos em condições tão diferentes assim? Como se constrói o racismo em cada lugar? São distintos onde? Bom, na Argentina e Uruguai a coisa foi bem diferente mesmo... alí a morte foi mais explicita, se podemos dizer isso... e no México... eis aí algo para o fotografo passar a considerar. Saberá ele que existem negros no México? Para muitas pessoas aqui, particularmente a classe média, uma elite extremamente desconhecedora de seus processos históricos e racista como a mexicana (igualzinha a brasileira, afinal quem já não ouviu o absurdo de dizerem que não há racismo no Brasil?!), a resposta é clara: não há negros no México! Pois sendo esse o entendimento que se dá, realmente passamos a compreender porque o Brasil não é latino americano. Somos mais negros que indígenas, enquanto aqui é o contrário, e isso nos exclui da identidade latina. O que será que o rapaz pensaria de minha cor?
Outro ponto comum nos erros da questão latina, ou mesmo dos lugares não tão comuns sobre o reconhecimento, é o fato de se negar ao outro o direito a auto-determinação. Para começo de conversa, é latino quem diz que é! A coisa não é tão simples, mas dá pra entender. Como estamos considerando vários elementos subjetivos na formação da identidade, tanto individual como coletiva, é fundamental perguntar aos interessados e envolvidos nesse processo o que eles pensam de si mesmos. Claro que muitos brasileiros não se consideram latinos, particularmente porque não se tem o espanhol como língua oficial ou se a pergunta for feita para uma classe média branca acostumada com suas referencias européias; além de também existir um profundo desconhecimento dos processos de colonização por grande parte dos países latinos e do roubo de suas memórias. Temos que considerar isso, da mesma forma que o reconhecimento não se constrói sem uma memória justa, coisa que também até esse momento nunca rolou tendo o lugar da negritude nesses processos de formação do povo brasileiro e latino como um todo.
Mas se há algo que não se desconhece e que sabemos muito bem, é a relação entre as elites e as multidões; A polícia racista e a criminalização dos pobres; A corrupção institucional; A herança escravocrata; Os privilégios de cor e gênero; Os lugares subalternos; A mentalidade colonial; O classismo; As ditaduras; Os assassinatos; Os carros blindados; A quantidade de latinos na lista das pessoas mais ricas do mundo; Os movimentos sociais, caralho, os movimentos sociais!; a luta indígena; Os moradores de rua; A fome; etc, etc, etc. São todas coisas compartilhadas na América Latina de modo singular. São fatores pertencentes a processos sócio-políticos compartilhados, que possuem sim particularidades e modos próprios de operarem, mas facilmente identificados por todos latinos. A coisa é visceral e está no corpo. Não é determinante, mas claro que há sutilezas dependendo da classe social por onde você transita quando está em outro país e sua leitura pode ser bastante influenciada por isso. Por onde andou esse rapaz enquanto esteva no Brasil? Como se deu a aproximação com as pessoas que estão em suas fotos? Por onde andará ele no México? Então, como falei, latino é quem diz que é, mas que se garante! É negro quem se garante negro e é índio quem se garante índio.
No que diz respeito a solidariedade, nós brasileiros nos garantimos desde a Terra do Fogo até Tijuana. Na minha casa, e na de várias pessoas, se comem dois, comem três. Naquilo que interessa a luta por uma vida melhor, somos Mapuches, Xavantes, Garifunas, e Mazatecos. Nossa memória compartilha o terror da colonização que teve inicio a mais de 500 anos. Assim também, cantamos e dançamos sem esquecer de onde viemos. Somos um monte de comedores de feijão e milho e o trabalhador que bebe a cachaça no buteco da periferia paulistana tem as mesmas histórias que o mexicano na pulqueria em La Merced ou Tepito no DF. Aqui salário mínimo nunca foi sequer salário e mesmo assim vive uma família inteira com isso. Poetas sarcásticos que sempre farão piadas e “bromas” de portugueses e espanhóis, mesmo sabendo que muitos deles são “buena onda”. O gaúcho pode ter mais afinidade com o uruguaio do que com o maranhense, da mesma forma que o maia de Chiapas se aproxima mais do quatemalteco do que com o norteño. Aqui vivemos e agradecemos aos lindos Orixás, a única Pachamama e a la Guadalupe. Não somos latinos?
Um dos sintomas mais evidentes da praga neopentescostal que invadiu o Brasil é o surgimento dos inacreditáveis caminhoneiros de Cristo. As estradas tupiniquins estão tomadas por hordas de caminhões com mensagens evangélicas nos parachoques. Eu mesmo, que não sou de viajar muito de carro, já li coisas como Esse caminhão pertence a Jesus; Cristo me guia no caminho;Dirigido por mim e guiado pelo Senhor; Jesus, tome conta do teu rebanho nas estradas; É teu, Rei dos Reis, meu caminhão e umenigmático A bíblia disse que meu caminhão pertence ao homem da quarta fornalha. Não bastasse isso, temos as sentenças de louvação familiar. Numa viagem a Parati anotei a seguinte máxima: Cristo ensinou a melhor maneira de fazer sexo seguro: o casamento.
Essa evangelização rodoviária é criminosa e representa a morte da tradição, brasileiríssima, da frase de parachoque. Era fabuloso viajar observando as máximas que os caminhões ostentavam; sentenças sobre amor, mulheres, sogras, dinheiro, política, amizades e uma cacetada de outros temas. Mais que simples brincadeiras, as frases continham verdadeiras pérolas da cultura popular. Cito:
- Restaurante que serve farofa não liga ventilador de teto.
- Esperta é a mulher do saci, que toma um pé na bunda e quem cai é ele.
- Se dinheiro fosse merda eu nasceria sem cu.
- O homem que diz que as mulheres são frígidas tem má língua.
- Em briga de saci ninguém dá rasteira.
- A cal é virgem porque o pincel é brocha.
- Aqui jaz minha sogra; descanso em paz.
- Se ruga fosse velhice meu saco era pré-histórico.
- A primeira ilusão do homem começa na chupeta.
- Se a onça morrer, o mato é nosso.
- A mulher foi feita da costela, imagine se fosse do filé.
- Adoro as rosas, mas prefiro as trepadeiras.
- Marido de mulher feia tem raiva de feriado.
- Champanhe de pobre é sonrisal.
- Coceira de rico é alergia, coceira de pobre é sarna.
- Criança e tamanco, só se faz com pau duro.
- Em baile de cobra, sapo não dança.
- Quem dorme com morcego acorda de cabeça pra baixo.
- Gato que levou tijolada não dorme em olaria.
- Merdas cagadas não voltam ao cu.
- Urubu na guerra é frango.
- Pobre que sente cheiro de flor pergunta onde é o velório.
- O diabo não se casou e Cristo morreu solteiro.
São ditados cheios de uma auto-ironia repleta de sarcasmo, bom-humor e sacanagem, verdadeiros haicais do povão. Sem autores conhecidos, as sentenças de parachoques consagram o artista popular com o maior prêmio que um criador decente ousa alcançar: o completo anonimato. O que mais pode pretender um sujeito além de se diluir nos costumes de seu povo, como se as frases existissem desde tempos remotos?
É por isso que lanço desse meu coreto um protesto contra a praga dos caminhoneiros de Cristo, verdadeiros gafanhotos da cultura das estradas, mal-humorados, chatonildos e intolerantes. Tivesse eu um caminhão, escreveria conforme li no parachoque de uma lata velha cheia de dignidade :
"Não confio na polícia, raça do caralho!" Racionais MC's
"Qual é a diferença entre o bobo da corte e o rei? Um tem um exército e o outro não".
Definitivamente a coisa tá piorando e somente um idiota pra não ver ou alguém de muita má-fé pra negar. Dois episódios que revelam bem como o fascismo avança a passos largos no Brasil. Dois episódios onde a liberdade é jogada no lixo. Duas cidades. Uma mesma polícia e um mesmo Estado. Um povo. Que venham a Copa e as Olimpíadas!
Primeiro em Belo horizonte onde o artesão é marginalizado e duramente golpeado pelo aparato policial. É 10 de agosto de 2011. As imagens são claras e contra os fatos é sempre mais dificil argumentar. Vão falar o quê?! Talvez alguém diga que são muito mal preparados esses policiais. Discordo. Eles são preparados exatamente para isso: para o monopólio da violência e continuar a segurança de uma elite mediocre e inescrupulosa.
Agora é em Cachoeira, no Recôncavo da Bahia. Dia 13 de agosto de 2011 na festa da Boa Morte. O capitão do mato continua a trabalhar. Diálogo e respeito não fazem parte dessa instituição. Aqui também o povo que quer diversão e arte encontra o tapa na cara vindo daqueles que estão aí para "servir e proteger". Só não se sabe quem. E você ainda confia nessa merda?
Carta contra a violência policial em Cachoeira (BA)
Por Núcleo de Negras e Negros Estudantes da UFRB (NNNE)
Cachoeira, 14 de agosto de 2011
Sábado, 13 de agosto, noite de início da Festa da Boa Morte, festividade que atrai muitos visitantes à cidade, a comunidade se reuniu em torno de um movimento cultural. A Praça 25 de junho agrupava na mais recente edição do Reggae na Escadaria - no centro de Cachoeira/BA ? um grande número de pessoas (Famílias, crianças, estudantes, idosos), onde por diversas vezes a viatura da polícia de número 9 2702 placa NTD 8384 passou vagarosamente observando de forma ameaçadora alguns espectadores, dando um prazo limite para que o som fosse desligado.
Por volta das 2 horas da manhã, quando o trânsito foi parado por uma colisão de carros, a viatura que passava no momento parou e os policias desceram, solicitando que o som fosse interrompido. Alegaram que muitas pessoas se reuniam no local atrapalhando o trânsito na via e também alegaram que os organizadores do evento não tinham autorização para realizar aquela atividade.
Os presentes sentiram-se indignados, manifestando-se através de vaias e frases de protesto, pois ao mesmo tempo inúmeros carros tocavam outros tipos de som em volume altíssimo. Os policias reagiram de forma agressiva e opressora. A PM Ednice iniciou a agressão contra um espectador que estava acompanhado por sua esposa e filho, o que causou ainda mais revolta entre os cidadãos. Os policias pararam a viatura ao lado da praça e permaneceram em formação fora do veículo. Uma parte dos policiais estava sem identificação. A residente Flávia Pedroso Silva se aproximou dos soldados e perguntou os nomes dos agentes que participavam da atuação. O que é direito de todo cidadão resultou numa ação ainda mais agressiva. Dois policiais homens a seguraram pelo braço dando voz de prisão por ?desacato à autoridade?. A vítima alegou irregularidade na atuação, pois sabido é que um policial homem não pode autuar mulheres. Os presentes reagiram e tiraram a menina da mão dos policias, que agrediram muitos dos presentes com empurrões quando o PM Elias atirou para cima ameaçando as pessoas que estavam próximas.
Pouco tempo depois chegaram mais duas viaturas e vários soldados que partiram para cima da estudante agredindo a ela e Glauber Elias, também negro e estudante da UFRB. No caso da estudante Flávia, o mais grave em nosso entendimento, os agressores usaram de violência física e psicológica, utilizando palavras de baixo calão, como vadia, puta e vaca. Mostraram também todo o preconceito em relação às tatuagens no corpo da estudante, usando disso para fazerem mais ameaças tais como ?você que gosta de marcas vamos deixar mais marcas em seu corpo?.
A garota foi colocada dentro do camburão, juntamente outro estudante presente, Luis Gabriel, que também questionou a ação dos policiais. Os mesmos soldados continuaram ameaçando outras pessoas, perguntando de forma sarcástica quem mais queria ser detido.
Ambos foram levados para o Posto Policial Militar do 2º Pelotão da 27ª CIPM - CPR LESTE, localizado na Rua Direta do Capoeiruçu/ Cachoeira. No local a garota foi agredida com tapas no rosto e agressões verbais em frente ao funcionário que registrava a ocorrência, e que ao ser solicitado o registro de tal agressão o mesmo declarou que não havia visto nada. Enquanto isso, do lado de fora da delegacia, testemunhas que estavam no momento da agressão permaneceram sob tensão com os policiais. A advogada que acompanhou todo o caso permaneceu pelo menos 30 minutos em frente a delegacia sendo impedida de entrar.
A vítima, ao expressar sua vontade de abrir ocorrência contra a violência e o abuso de autoridade, foi informada que não poderia fazê-lo pois, no local, não havia delegado e nem escrivão. Assim sendo, os envolvidos foram encaminhados para a DEPIN - 3ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior - Delegacia Circunscricional de Policia de Santo Amaro ? BA. Mesmo com a alegação da advogada de que seus clientes não poderiam ser transportados na parte traseira da viatura e que ela deveria acompanhá-los, os policias os colocaram no camburão e seguiram dizendo que não esperariam ninguém. Ao chegar em Santo Amaro, as vítimas nada puderam fazer, pois os policiais que receberam o caso disseram que não havia tinta na impressora para registrar a ocorrência da mesma e que esta voltasse num outro momento, atrasando desta forma todo o processo e a possibilidade de se fazer um exame de corpo de delito. Após uma espera ambos foram liberados e convocados para depoimento no dia 15 de agosto, às 10 horas. Vale ressaltar que mesmo com a alegação de não haver tinta na impressora, os policiais agressores registraram a ocorrência de desacato à autoridade.
Como podemos perceber, inúmeras irregularidades ocorreram no procedimento da abordagem policial. Desde o aparente desrespeito por parte destes policiais ao estilo musical Reggae, às reações de extrema violência da polícia para com a população, até os atos de violência ao longo do processo.
Enfatizamos a repressão ao reggae como demonstração de racismo da polícia cachoeirana, lembrando que a maior parte das pessoas que compunham o grupo local eram homens e mulheres negras. Também o tratamento contra a Flávia, desde as agressões físicas cometidas por policias do sexo masculino até os obstáculos postos diante da tentativa de prosseguir com a denúncia contra as ações destes policiais, tanto que até o presente momento ainda não foi possível o registro legal do caso, sendo que há apenas o processo da polícia contra os envolvidos.
Denunciamos assim a opressão explícita, ao saber que este não é o único e nem o primeiro caso de abuso e violência gratuita da polícia militar contra os cidadãos cachoeiranos, e exigimos desta forma providências do Estado contra os crimes praticados de violência policial, abuso de poder e violência do estado contra a população negra, a qual resultou na prisão irregular dos estudantes negros Flávia e Gabriel, configurando crime de racismo institucional.
Debate aberto com transmissão ao vivo pela internet.
Trabalho, engajamento e cultura livre: reprodução ou emancipação?
As práticas de cultura livre, que envolvem as atividades militantes ligadas às artes, informação, comunicação e educação são comumente incorporadas pelas empresas, indústrias culturais, academia e governos.
A partir daí, surge o questionamento sobre os limites entre trabalho e militância e quais os efeitos da aproximação com as relações capitalistas de produção, com o mercado e o poder constituído.
Em 2007, um grupo de ativistas e trabalhadores/as se debruçou sobre este tema num fórum de reflexão denominado "Cultura Livre e Capitalismo".
Este próximo encontro busca retomar essa reflexão, num momento em que a cultura livre ganhou ainda mais ascendência. Ele é concebido como uma conversa entre os atores deste processo e, portanto, se propõe a ser participativo e interativo.
Quando: 20/08/2011 (Sábado) - das 9:00 às 18:00
Onde: Ação Educativa, Rua General Jardim, 660 - São Paulo - SP
As vezes você não sabe por que as coisas estão como estão? Para entender parte disso basta olhar um pouco para nossa história. Sofremos as consequencias diretas de decisões passadas e que hoje tratam de nos convencer que as coisas sempre foram assim. Mentira. Ideologicamente não há nada que não tenha uma hora para começar. Esse documentário fala da importância da memória como resistência e do lugar das lutas políticas para mudar o mundo em que vivemos. Uma relação entre psicologia da alienação, autoritarismo economico e ditadura política.
"Baseado no livro de Naomi Klein, "A doutrina do Choque", narra a forma em que os chamados "chicago boys" de Milton Freeman, utilizaram os descobrimentos dos eletrochoques na psicologia para apagar lembranças e regressar o sujeito a um estado infantil tentando reescrever sua história. Eles transferem essa lógica para o contexto sócio economico, particularmente dos países em desenvolvimento para propor choques economicos (alta de impostos, eliminação de subsidios e políticas sociais, aumento de preços, etc) e assim permitir o roubo dos recursos naturais e enriquecer alguns pequenos e seletos grupos".
domingo, 14 de agosto de 2011
Desconexas 2
Quem dera ela desse seu coração sem disciplina, sem ganas de amor tanto.
Ela aprendeu, e aprender não é palavra para amar, que no amor se desaprende a ser um só, querendo uma casa para dois.
Ela aprendeu que amor vem de repente e ela queria estar preparada, toda pronta, de alma límpida e feliz.
o amor veio, ela sabe. Ela se sentia pronta, mas o amor, no seu desaprender, bagunçou o que no espaço cabia perfeito.
Agora que tudo é amor e bagunça, ela pensa que dar o coração sem disciplina como fazem todos, pode ser o caminho de volta.
Mas ela se pergunta sempre por dentro: - e no amor tem caminho de volta?
O México é um lugar encantador. Não raras as vezes que me sinto em casa, mas com um detalhe: é um conflito porque as vezes sinto esse lugar como sendo o Brasil a 20 anos atrás e em outros momentos um futuro do que nos espera.
Esses dias fui numa festa de 15 anos e foi exatamente isso que experimentei. A filha da prima da minha amiga Luci fez aniversário e ela me fez o convite pra acompanhá-la. Foi um prazer! A Luci é uma dessas pessoas lindas que a vida te apresenta e te fazem sentir melhor por toda gentileza e carinho com que trata as pessoas. Essa mulher merece um texto a parte, então voltemos aos fatos da semana passada. Porque as celebrações dos 15 anos ainda são verdadeiros acontecimentos! As famílias gastam o que tem e o que não tem para esse dia e a coisa é planejada nos menores detalhes. Depois do casamento, esse é um momento muito importante. Em parte se assemelha aos 15 anos pelas terras tupiniquins, ou ao que já foi.... A comida é uma repetição quase idêntica de caldo, massa e um assado, e claro com muita cerveja e uma tequilinha pro santo. O que quero dizer é que você sabe quase tudo que te espera, além do vestido de gala da moça e muita gente de terno, gravata e vestido longo.
Pois bem, a recepção vai acontecendo e tudo caminha numa enorme formalidade como manda o figurino. Flores, comida boa, birita e gente contente. Tô no Brasil! Eis que... Mas o que é isso que vai começar a tocar? E para não ter dúvida que estou em terras mexicas, aí vem os mariachis! A música é inconfundível e a roupa e o sombrero nem se fale! A coisa é raíz e a música dura mais de uma hora com os clássicos vindos da Cidade do México e norteños. Dançamos algumas, cantamos outras e a família se afoga em lágrimas. São gentis e querem que você se sinta bem. Muchas gracias!
Depois dos mariachis uma sequencia de salsa e cumbia que me ajudam a ter certeza que já sou quase candidato a bailarino do Rick Martín! Certo, certo, não é pra tanto, mas que tô melhorando isso sei que sim... A gente se descabelou, suou, bebeu e se divertiu bem. E depois disso tudo, a aniversariante nos brinda com uma de suas “performances”. Reza os “usos y costumbres” aqui que a aniversariante pode e deve fazer, além da valsa com o pai e os padrinhos, uma apresentação de algo muito particular. Ela cria uma coreografia surpresa! É um momento extremamente solene, onde todos silenciam, observam atentamente o que irá acontecer, seus desdobramentos e o final. Qualquer coisa pode acontecer. Nessa noite a jovencita junto com outros amigos elaboraram um mistura de hip hop, Shakira e mais uma tonelada de coisas do pop mexicano que não me lembro agora. Recordo que ela trocou de roupa muitas vezes, tanto de vestidos de gala como pra dançar no fim da noite. Foi surpreendente! Depois foi só norteñas e mais salsa.
E evidentemente esse não foi o fim da noite. Eu, já quase membro da família, aceito o convite dos primos pra seguir o desmadre. Agora sim me sinto o próprio Tin Tan e me acabo no antro até o dia clarear. Ainda bem que a tequila era boa, assim la cruda não te maltrata muito no dia seguinte... Fiquei pensando nas semelhanças e diferenças entre México e Brasil. Talvez tenha que fazer uma lista sobre isso, mas com certeza as festas de 15 anos são um bom exemplo pra começar.
Preparando para a festa.
Com a aniversariante e os primos.
Com o pai da moça.
Luci!
O som tradicional.
Acho que já vi isso em algum lugar...Hasta la victoria siempre!
Como gastar o dinheiro da bolsa... ... trabalho de campo.
“Emma Goldman: An exceedingly dangerous woman”. Este é o título original do documentário de Mel Bucklin, que aborda a figura de Emma Goldman (Kaunas, 27 de junho de 1869 — Toronto, 14 de maio de 1940), considerada por mais de trinta anos como a inimiga pública número um dos Estados Unidos, não por cometer atos violentos, mas por utilizar a arma mais perigosa que está à mão de todo ser humano: a razão.
Com uma vida apaixonante, Emma Goldman, junto com Alexander Berkman, se encontrará no olho do furacão do movimento anarquista. Célebre anarquista de origem lituana, conhecida por seus escritos e manifestos radicais, libertários e feministas, também foi uma das pioneiras na luta pela emancipação das mulheres.
- Você é uma pimenta.
- Eu? Só se for uma pimenta bem vermelha...
- É sim... E bem gostosa.
- hum...heim amor?Vamos botar pimenta?
- Onde filha?
- Na minha buceta, caralho!
- Na bucetinha?
- É...
...
- Heim amor? Seu pau entrando todo e ardendo gostoso...
- Será que arde muito?
- Não sei... Vamos fazer, vamos...
- Eu aqui longe e vc me dizendo essa coisas...
- Ah.. que vontade de te comer, amor..
- É... Eu também tô morrendo de saudade de fazer amor com vc...
- Eu adoro quando vc goza gritando...
- Eu também gosto de fazer vc gozar...
- Ai, eu queria gozar na sua boca agora...
- Amor...
- Oi...
- Você é uma pimenta...
Segundo nossos ancestrais, é necessário sustentar o céu para que ele não caia. Ou seja, não é que o céu não esteja firme, mas sim, que, de vez em quando, fica fraco e quase desmaia e se deixa cair como as folhas caem das árvores, e então acontecem verdadeiras calamidades, porque o mal chega ao milharal, a chuva o quebra todo, o sol castiga o solo, quem manda é a guerra, quem vence é a mentira, quem caminha é a morte e quem pensa é a dor.
Disseram nossos ancestrais que isso acontece porque os deuses que fizeram o mundo, os primeiros, se empenharam tanto em fazer o mundo que, depois de terminá-lo, não tinham muita força para fazerem o céu, ou seja, o telhado de nossa casa, e o colocaram assim, do jeito que deu, e então o céu foi colocado sobre a terra como um desses telhados de plástico. Ou seja, o céu não está bem firme, mas, às vezes, parece que afrouxa.. E é necessário saber que, quando isso acontece, se desorganizam os ventos e as águas, o fogo se inquieta e a terra quer se levantar e caminhar sem sossego.
Por isso, os que chegaram antes de nós disseram que, pintados de cores diferentes, quatro deuses voltaram ao mundo e, tornando-se gigantes, colocaram-se nos quatro cantos do mundo para prendê-lo ao céu para que o céu não caísse, ficasse quieto e bem plano, para que o Sol, a Lua, as estrelas e os sonhos caminhassem por ele sem sofrimento.
Mas aqueles que deram os primeiros passos por essas terras contam também que, às vezes, um ou mais dos pilares, os sustentadores do céu, começasse a sonhar, dormir ou se distrair com uma nuvem. Então, o seu lado do telhado do mundo, ou seja, o céu, não fica bem esticado, afrouxado, quisesse cair sobre a terra. Já não fica plano o caminho do Sol, da Lua e das estrelas.
É isso que aconteceu desde o início. Por isso, os primeiros deuses, os que deram origem ao mundo, deram uma tarefa a um de seus sustentadores para ficar de prontidão, para ler o céu, ver quando começa a afrouxar. Então, esse sustendador deve falar aos demais sustentadores para que acordem, voltem a esticar o seu lado e as coisas se acomodem outra vez.
Esse sustentador nunca dorme. Deve sempre estar em alerta e de prontidão para acordar os demais, quando o mal cai sobre a terra. Os mais antigos no passo e na palavra dizem que esse sustentador do céu leva um caracol pendurado no peito e com ele ouve os ruídos e os silêncios do mundo, para ver se está tudo certo, e pelo caracol, chama os outros sustentadores para que não durmam ou para que acordem.
E dizem aqueles que foram os primeiros que, para não adormecer, esse sustentador do céu vai e vem para dentro e para fora do seu coração, pelos caminhos que leva no peito. Dizem aqueles mestres mais antigos que esse sustentador ensinou aos homens e às mulheres a palavra e a sua escrita, porque dizem que, enquanto a palavra caminha pelo mundo, é possível que o mal se aquiete e no mundo tudo esteja certo. Assim dizem.
Por isso, a palavra do que não dorme, do que está de plantão contra o mal e suas maldades não caminha direto de um lado para o outro, mas sim anda rumo a si mesma, seguindo as linhas do coração, e para fora, seguindo as linhas da razão. E dizem os sábios de antes que o coração dos homens e das mulheres tem a forma de um caracol e aqueles que têm bom coração e pensamento andam de um lado para outro, acordando os deuses e os homens para que fiquem de plantão para que esteja tudo certo no mundo. Por isso, quem vela quando os demais dormem usa o seu caracol, e o usa para muitas coisas, mas, sobretudo, para não esquecer.
Subcomandante Marcos, EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional), em Julho de 2003
O CINECLUBE TERRA LIVRE retoma suas atividades e tem o prazer de anunciar a
primeira sessão da Mostra “Olhares sobre o Movimento Anarquista no Brasil”, em parceria com o Centro Cineclubista de São Paulo, local de exibição dos filmes.
Nossa intenção é compreender e debater a relação entre anarquismo e sindicalismo e seu papel na formação da classe operária no Brasil.
Para isso selecionamos dois filmes que tratam da presença anarquista no movimento operário em São Paulo e no Brasil no início do século XX.
* Libertários, Lauro Escorel Filho, Brasil, 1976, 26min
Libertários é o mais antigo documentário sobre o tema produzido no Brasil e foi exibido nos circuito de cineclubes em São Paulo durante a ditadura militar. Não podia haver melhor filme para estrearmos a nova mostra do Cineclube Terra Livre. A película retrata as primeiras organizações dos trabalhadores e suas mobilizações, fortemente influenciados pelos ideais anarquistas.
* Deu N'A Plebe – A Greve Geral Anarchista de 1917, Fernando Puccini e João
Ricardo, s/d, 17 min
Já o curta Deu n'A Plebe foca a atenção na Greve Geral de 1917 e nas páginas do periódico libertário A Plebe. Contém entrevistas com pesquisadores e é baseado em documentos da época.
DOMINGO, 21/08, 18 horas
LOCAL: Centro Cineclubista de São Paulo
Rua Augusta, 1239, sala 13 – São Paulo
Próximo ao Metrô Consolação
Entrada Gratuita
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Mostra “Olhares sobre o Movimento Anarquista no Brasil”
A mostra será realizada mensalmente, sempre no terceiro domingo do mês, a partir das 18h, no espaço do Centro Cineclubista de São Paulo.
A mostra trás produções que retratam experiências anarquistas ocorridas em terras brasileiras ao longo dos séculos XIX e XX
As sessões são públicas e gratuitas.
Segue a programação do semestre:
21/08 – Anarquismo e Sindicalismo no Brasil
18/09 – Colônia Cecília
16/10 – Teatro e Educação Anarquista no Brasil
20/11 – Ladrões Anarquistas
18/12 – Anarquismo nos anos 1970/1980
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PRÓXIMAS ATIVIDADES:
13/08 – Grupo de Estudos Movimento Operário Autônomo
17/08 – Grupo de Estudos Anarquismo e Educação
21/08 – Cineclube Terra Livre: Anarquismo e Sindicalismo
Deus, a Natureza, essa força misteriosa graças à qual existimos — e acerca da qual não ouso aprofundar especulações para não prejudicar a pele, as unhas e o juízo — nos castigou com a maternidade e, para compensar, deveria nos conceder imunidade contra certos sentimentos, entre os quais o amor, que também estraga a pele, as unhas e o juízo. Sobretudo o juízo.
Ontem, depois de muito tempo, quase dois eternos meses, mergulhada na escuridão da loucura à qual fui atirada pela paixão por um cafajeste que me conquistou com barris e mais barris de lábia e de lágrimas, emergi quando num átimo de lucidez saquei que o dito cujo conseguiu me extorquir quase todo o saldo da caderneta de poupança com o pretexto de que era um empréstimo para estabelecer-se no comércio.
A estúpida aqui se sentia enlanguescida quando o filho da puta me dizia que já não conseguia suportar os ciúmes e a dor que sentia quando me sabia nos braços de outro homem, mesmo sabendo que para mim é um serviço como outro qualquer, no qual não há sentimento algum envolvido. E dizia que me libertaria dessa escravidão quando o seu negócio começasse a dar lucro, e me fazia assinar outro cheque.
Quase dois meses me enrolando. Nunca me disse onde investia o meu dinheiro. É uma surpresa. Mas é comércio do quê?Em qual rua? É uma surpresa, no dia da inauguração você vai ver. A loja está ficando linda, mais dois ou três meses. Espere, tenha calma. E beijava os meus olhos, beijava as mãos, a boca e me arrancava a roupa, me comia e me fazia assinar outro cheque.
Ontem eu não resisti à curiosidade e resolvi segui-lo. Peguei um táxi porque temia perdê-lo neste caos que é o trânsito em São Paulo. Melhor não dar aqui todas as voltas que o carro deu até chegar em uma rua no Tucuruvi. Ele estacionou e entrou em um prédio de apartamentos. Esperei uns cinco minutos e entrei no prédio. Francisco, o velho porteiro, encantado pela generosidade do meu decote, era todo loquacidade e em menos de dois minutos eu já sabia que o meu amantíssimo gigolô era casado e pai de três crianças.
Subi ao 904. Abriu a porta uma garotinha linda com cerca de sete ou oito anos de idade. Ela sorriu e aquilo me desarmou. Vi-me naquela menina. Vi-me quando tinha medo de escuro e me enfiava entre papai e mamãe quando acordava assustada com a escuridão da madrugada. Vi-me quando me escondia debaixo da cama para não assistir papai bêbado espancando mamãe. De dentro uma voz de mulher perguntou quem era. Baixinho eu disse que era engano e a menina gritou para dentro que era engano. Desci chorando de raiva porque não consegui executar o meu plano de vingança. Não, eu não poderia fazer aquilo. Aquela garotinha, seus irmãos, sua mãe, eles não tinham culpa da minha estupidez.
Ontem não voltei pra casa, como quem não voltaria para um quarto escuro. Caminhei à-toa, depois fui para a casa de Amália Malaquias, amiga cuja alegria contagiante é sempre capaz de me transformar o humor, de trazer-me de volta à luz. Agora, em casa, refeita, escrevo esse relato que se não servir pra nada mais, servirá pra que eu não me esqueça e caia outra vez na tentação de uma vida normal. Miguel ainda não sabe que eu sei. Hoje, quando vier, será recebido como se nada tivesse acontecido e eu o farei broxar, eu o humilharei naquilo que ele se considera infalível e eu o tangerei como quem tange uma vaca velha que não dá mais leite nem cria. Eu o cuspirei como quem cospe bagaço de fruta chupada. Ele não sabe com quem mexeu.