quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A MORTE DOS HAICAIS DO POVO

Por Luiz Simas

Um dos sintomas mais evidentes da praga neopentescostal que invadiu o Brasil é o surgimento dos inacreditáveis caminhoneiros de Cristo. As estradas tupiniquins estão tomadas por hordas de caminhões com mensagens evangélicas nos parachoques. Eu mesmo, que não sou de viajar muito de carro, já li coisas como Esse caminhão pertence a Jesus; Cristo me guia no caminho; Dirigido por mim e guiado pelo Senhor; Jesus, tome conta do teu rebanho nas estradas; É teu, Rei dos Reis, meu caminhão e um enigmático A bíblia disse que meu caminhão pertence ao homem da quarta fornalha. Não bastasse isso, temos as sentenças de louvação familiar. Numa viagem a Parati anotei a seguinte máxima: Cristo ensinou a melhor maneira de fazer sexo seguro: o casamento.

Essa evangelização rodoviária é criminosa e representa a morte da tradição, brasileiríssima, da frase de parachoque. Era fabuloso viajar observando as máximas que os caminhões ostentavam; sentenças sobre amor, mulheres, sogras, dinheiro, política, amizades e uma cacetada de outros temas. Mais que simples brincadeiras, as frases continham verdadeiras pérolas da cultura popular. Cito:

- Restaurante que serve farofa não liga ventilador de teto.
- Esperta é a mulher do saci, que toma um pé na bunda e quem cai é ele.
- Se dinheiro fosse merda eu nasceria sem cu.
- O homem que diz que as mulheres são frígidas tem má língua.
- Em briga de saci ninguém dá rasteira.
- A cal é virgem porque o pincel é brocha.
- Aqui jaz minha sogra; descanso em paz.
- Se ruga fosse velhice meu saco era pré-histórico.
- A primeira ilusão do homem começa na chupeta.
- Se a onça morrer, o mato é nosso.
- A mulher foi feita da costela, imagine se fosse do filé.
- Adoro as rosas, mas prefiro as trepadeiras.
- Marido de mulher feia tem raiva de feriado.
- Champanhe de pobre é sonrisal.
- Coceira de rico é alergia, coceira de pobre é sarna.
- Criança e tamanco, só se faz com pau duro.
- Em baile de cobra, sapo não dança.
- Quem dorme com morcego acorda de cabeça pra baixo.
- Gato que levou tijolada não dorme em olaria.
- Merdas cagadas não voltam ao cu.
- Urubu na guerra é frango.
- Pobre que sente cheiro de flor pergunta onde é o velório.
- O diabo não se casou e Cristo morreu solteiro.

São ditados cheios de uma auto-ironia repleta de sarcasmo, bom-humor e sacanagem, verdadeiros haicais do povão. Sem autores conhecidos, as sentenças de parachoques consagram o artista popular com o maior prêmio que um criador decente ousa alcançar: o completo anonimato. O que mais pode pretender um sujeito além de se diluir nos costumes de seu povo, como se as frases existissem desde tempos remotos?

É por isso que lanço desse meu coreto um protesto contra a praga dos caminhoneiros de Cristo, verdadeiros gafanhotos da cultura das estradas, mal-humorados, chatonildos e intolerantes. Tivesse eu um caminhão, escreveria conforme li no parachoque de uma lata velha cheia de dignidade :

- Jesus pode te amar, mas eu te acho um babaca.

Abraços

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