O documentário de Enrique Escalona (1988) intitulado Tlacuilo faz uma crítica pertinente quanto as interpretações sobre os registros históricos dos povos originários daquilo que veio a ser o México. Feito na década de 80 está baseado nas pesquisas de investigadores, principalmente de Joaquím Galarza, interessados em compreender o real sentido dos documentos pictográficos feitos pelos náhuatl e seus Tlacuilos. Essa é uma palavra derivada do náhuatl tlacuilō o tlacuihcuilō que quer dizer “aquele que trabalha na pedra ou na madeira” e que depois veio a ser denominado como o escriba, o pintor, escritor ou sábio.
Eram homens e mulheres que desde crianças foram instruídos ao conhecimento profundo de sua língua e cultura. A intenção é que pudessem dominar a pictografia e outros assuntos relacionados a manutenção e desenvolvimento da cultura. Eram versáteis em assuntos de biologia, física, matemática, história e tudo mais que estivesse relacionado com suas necessidades.
O interessante desse documentário é apresentar uma revisão do material encontrado e proposto pelos exploradores espanhóis e questionar sua equivocada leitura do trabalho feito pelos Tlacuilos. Foram mais de 4 séculos de interpretações repletas de preconceitos e um olhar europeu que tratou de ignorar as narrativas feitas em diferentes contextos e materiais deixados pelos povos pré-hispanicos.
O documentário registra uma outra possibilidade de entendimento dos códicos náhuatl, ou também chamado Códice Mendoza, e busca considerar a contribuição dos herdeiros diretos dessa tradição. Por exemplo, entender sua hierarquia social, seu calendário, a relação com o tempo, componentes que em alguns casos eram opostos aos dos conquistadores. Por séculos os europeus interpretaram esse material sem consultar os povos que os produziram. Assim, uma das partes fundamentais para construir outra leitura é perguntar e agregar os falantes de náhuatl, seus poetas e artistas, artesãos e religiosos entre outros para uma aproximação mais fidedigna ao que foi deixado por seus antepassados.
Assim que os Aztecas foram derrotas no inicio da invasão espanhola, um material composto basicamente de folhas de papel foi entregue aos vencidos para contar parte de sua história. Esse material foi enviado ao imperador da Espanha Carlos V e o que poderia vir a ser sua surpresa não era uma história contada por uma língua latina, mas por desenhos. A tarefa foi encarregada evidentemente aos Tlacuilos de seu tempo, aqueles que escrevem desenhando. Isso foi suficiente para uma sério de equívocos e más interpretações sobre as culturas originárias. Exatamente porque o tradutor desse material não tinha sido um dos seus autores a ir a Espanha ler o que estava contido nesse material, mas um próprio espanhol que tratou de colocar “legendas” absolutamente toscas aos relatos. O resultado foi que a riqueza e diversidade náhuatl, como nos conta o diretor, foi sendo sepultada pelas leituras a bel prazer europeu. O primeiro grande equivoco foi que os europeus sempre olharam esse material como simples representações e não como o que devem ser: pinturas que são textos, manuscritos com imagens.
Esse material andou o mundo e nunca chegou a seu destino. Por anos passou pelas mãos de piratas, comerciantes, religiosos, pesquisadores e foi parar na universidade de Oxford, Inglaterra, onde se encontra até hoje.
Os pesquisadores desse material estão conscientes que o entendimento real e final não é possível a uma única investigação saber sua complexidade. A compreensão da diversidade e profundidade depende do trabalho de gerações. Muito já foi feito e isso nos ajuda a conhecer um pouco mais do passado e do que é chamado atualmente de México Profundo.
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