domingo, 28 de agosto de 2011

Para não virar lenda

Por Gabriela Pessoa e Lucas Campacci

O sobradinho vermelho no número 702 da Rua Wanderley, em Perdizes, passa quase desapercebido entre as construções vizinhas, de arquitetura semelhante. Tal condição talvez diga muito sobre as atividades que aconteciam lá dentro. Naquele espaço, funcionou até 3 de junho de 2011 a Casa do Saci, que envolve empreendimentos de geração de renda criado por trabalhadores e usuários do sistema de saúde mental e que oferece a possibilidade de transpor a barreira entre o isolamento provocado pela doença e o convívio em sociedade.

O Saci integra a Associação Vida em Ação (AVA), fundada em 2004 no contexto das discussões sobre o Fórum Paulista da Luta Antimanicomial, movimento cuja principal bandeira é o fim dos hospitais psiquiátricos. Fixou-se na Wanderley em 13 de março de 2010, onde funcionavam o Bar Saci, a Lojinha do Saci, a Livraria Louca Sabedoria e a sede da AVA.

Ao todo, 12 trabalhadores do Bar dividiam-se nas tarefas da casa, seguindo os princípios da economia solidaria, isto é, autogestionada, com a produção centrada no bem-estar dos trabalhadores. Ao final de cada mês, o excedente monetário era calculado da maneira mais simples, com uma conta de subtração entre gastos e ganhos. “O que sobrava a gente dividia igual para todo mundo, de acordo com as horas trabalhadas”, conta Marilia Capponi, psicóloga e uma das coordenadoras do Saci.

Um dos trabalhadores mais antigo do projeto, Didous Danilevicz defende a importância do Saci como uma “ponte” entre a internação em hospitais psiquiátricos e “o mundo”: “Aqui a
gente pode errar. Lá fora, não”.

A maior fonte de renda da casa era o Bar do Saci, “um bar como qualquer outro”, conta Camila Miranda. E, como qualquer estabelecimento, sofreu com os altos e baixos do público. “O Saci era cheio no começo e aos poucos esse movimento foi caindo”, lamenta. À queda do faturamento, somaram-se as reclamações dos vizinhos, com queixas da música alta e do movimento na rua. “A casa antes era ocupada por estudantes e músicos, que faziam muito barulho. Então eles [os vizinhos] já vieram com preconceito, nem quiseram saber o que a gente era”, explica Marilia. Ela se recorda de um café promovido pelo coletivo a fim de apresentar a casa aos moradores da Wanderley: “Simplesmente não foram, olhavam a gente com repulsa”. Os dois vizinhos mais próximos foram procurados pela reportagem. Um deles não atendeu à campainha e o outro disse que o dono da casa não estava. A pressão dos vizinhos se reverteu no preço do aluguel. De acordo com Capponi, a proprietária do imóvel Maria Lopes da Silva não queria mais reclamações, aumentando o
valor da locação de 1200 para 2000 reais. “A gente chorou e foi para 1800”, conta. Marcos Fincati, advogado da locadora, disse que ela agora pede R$ 2300 pelo imóvel, devido à valorização do bairro. Ele não quis dar mais informações sobre a cliente, nem o contato dela. A conta do Saci não fechava mais e no final não sobrava dinheiro para pagar os trabalhadores. “Como podíamos permanecer num projeto de geração de trabalho sem gerar renda para os trabalhadores? Vai contra o principio lógico”, desabafa Marilia.

Além do espaço de confraternização, muitos também perderam grande parte de sua fonte de renda. É o caso de Risonete Costa, mãe de uma garota de 13 anos e afastada de uma multinacional devido a seu sofrimento psíquico grave. Esforçou-se para voltar ao antigo emprego, mas não conseguiu se adaptar. “No Saci eu consigo trabalhar e conviver com as pessoas, sem estar presa a um projeto dentro do CAPS ou em um hospital”, diz.

A Casa do Saci se despediu da Wanderley no dia 3 de junho de 2011, numa festa com 150 pessoas. Dentre os convidados, os frequentadores de sempre: jovens, militantes do movimento antimanicomial, estudantes de psicologia e usuários do sistema de saúde. Todos juntos, dividindo os cinco cômodos do sobradinho, sem as fronteiras que dariam margem ao preconceito.

A festa acabou e, agora, o Saci se equilibra do jeito que dá: seus pertences estão guardados nas casas de alguns trabalhadores e a maior parte está em Box pago pelo Sindicato Paulista de Psicologia. Às terças-feiras, o ex-vizinho Instituto Sedes Sapientiae (esquina da Wanderley com a Ministro Godoi) sedia provisoriamente as reuniões do grupo, enquanto o coletivo procura outro espaço.

Saiba mais Casa do Saci

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